Os Jettas são os verdadeiros KITT

JOÃO TABORDA DA GAMA
DN 201501001

Isto da Volkswagen é um problema grande, mas também algumas lições e uma recordação.

Uma das vertentes é fiscal. O Estado português, que é outra maneira de dizer os portugueses, pode ter perdido muitos euros com o martelanço dos testes das emissões poluentes, tanto no imposto sobre veículos, como no imposto único de circulação, impostos que de há uns anos a esta parte assentam, em parte, nas emissões de CO2 (quanto menos emissões, menos imposto). Perderam também os municípios portugueses, que é outra maneira de dizer os portugueses, porque os municípios têm direito a parte dos impostos automóveis cobrados. Apesar de parecer que a manipulação dos motores, tendo em conta a informação disponível, era dirigida aos óxidos de azoto (NOx), não está excluído que possa haver efeitos no CO2.
A questão difícil é saber, em caso de se verificar ter havido violação da componente de CO2, de quem é a responsabilidade para ressarcir o Estado: da marca? Do operador registado? Da entidade que homologa? Do proprietário? De todos em conjunto ou de nenhum deles? As leis fiscais lidam mal com fraudes tão a montante, e há aqui matéria para fazer correr rios de tinta. E quando os motores forem reparados, quais serão os efeitos fiscais? Vale a pena pensar nisto.
Outra vertente é a do consumidor que julgando que comprava o seu jettazinho (quem é que compra um Jetta?!), verde, sem poluentes, sai-lhe um Exxon Valdez de quatro rodas. Podia ter comprado outra carripana, aplicado o dinheiro na bolsa, o que quer que seja, mas há uma característica objetiva e importante do veículo que está avariada - e tem direito ao dinheiro de volta.
Outra vertente são os fabricantes concorrentes, por exemplo os senhores da Honda, que deixaram de vender carros, que gastaram mais em publicidade, em investigação e desenvolvimento, em motores, e perderam um cliente muitas das vezes que alguém comprou mais um Jetta. Um dano difuso, difícil de calcular, mas que está lá, está.
Outra vertente é de saúde pública e poluição. Se as emissões fazem mal aos pulmões, às cidades, à fauna e à flora, então também esse dano ecológico tem de ser pago por alguém a alguém. Mais uma vez é difícil saber quem serão esses alguéns, mas também aqui não faltarão estudos e teorias.
Outra vertente é mais uma reflexão sobre os dois lados do Atlântico: como europeus devemos perguntar-nos como correria este processo, e que desfecho teria, se a fraude nas emissões tivesse sido descoberta na Europa e aqui ficasse circunscrita, em vez de ter surgido nos Estados Unidos? É que do lado de lá do mar há uma cidadania ativa de consumidores que vão sangrar o gigante alemão até à última partícula, e a questão é saber se ainda há gigante depois dos acordos que vai ser obrigado a pagar. Não é preciso uma bola de cristal para se saber que vai haver prisões, suicídios, ranger de dentes. A cidadania ativa de consumidores tem um lado brutal, mas esse lado brutal, cujos peões são advogados-vigilantes, tem a característica de levar o apuramento de responsabilidades até ao fim, pelo menos até mais perto do fim do que se passa pelas nossas brandas bandas.
Isto é tudo muito sério, por isso os parágrafos acima funcionam como um desculpabilizador do desabafo que vou dizer a seguir, que é isto: temos de reconhecer que quem teve a ideia de enganar os bancos de ensaio incluindo nos carros um software que percebe que o carro está a ser testado, pode ser um criminoso, etc. e tal, mas tem um sentido de humor e inteligência que não vale a pena fingirmos que não vemos.
Porque até aqui o carro mais inteligente que tinha existido era o KITT do justiceiro Michael Knight, que pensava, falava, andava rápido e até cheirava. E, tenho a certeza, o KITT passaria em qualquer teste de poluentes, fossem partículas, noxes, CO2 ou CO3, e nunca seria descoberto, nunca. Mas o KITT era na televisão.
Era na televisão, mas também foi na realidade, em 1987, quando veio às Amoreiras, com o seu dono (quem era o dono de quem no Justiceiro daria origem a horas de conversa filosófica). E hoje faz trinta anos o próprio Amoreiras, que entre muitas vantagens teve a de revitalizar uma parte da cidade que bem precisava e sacudir as mentes do país cinzento e retrógrado que éramos então ainda mais do que hoje. E por isso estão de parabéns os visionários que não se importaram com a poluição e o barulho dos críticos, em especial o engenheiro Krus Abecasis.

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