O lobo mau e António Costa

Inês Teotónio Pereira
ionline 2015.10.17
Imaginar o PCP ou o BE a governar no século XXI é algo que fazia apenas parte do imaginário colectivo. Uma abstração, vá.
António Costa conseguiu o impossível: conseguiu que os portugueses lessem os programas do BE e do PCP. Literatura não recomendada que passou incógnita durante anos apesar das várias eleições. A verdade é que quando se vota nestes partidos não se liga ao que eles propõem, tem-se apenas em conta o que eles odeiam. Por isso, sempre consideraram indiferentes os respectivos manifestos: nunca ninguém pôs a hipótese séria que estes partidos tenham oportunidade de cumprir aquilo que lhes vai na alma e no programa. Imaginar o PCP ou o BE a governar no século XXI é algo que fazia apenas parte do imaginário colectivo. Uma abstração, vá. O PCP e o BE servem para protestar. Ponto. É isso que se lhes pede e nada mais. Tudo o resto, governar e essas coisas mais sérias, é para serem deixadas a cargo de pessoas crescidas e responsáveis. Cada macaco no seu galho: uns preparam acções de luta, os outros governam. Mas António Costa, na sua esquizofrénica fuga para a frente depois de uma derrota eleitoral inexplicável ao PS, abriu os livros da maldição. 
O país deparou-se, então, com as propostas dos partidos radicais de esquerda. E viajámos todos para 1975. Nacionalizações, saída do Euro, marchas contra a NATO e outras brincadeiras do género. Sim, os banqueiros tremeram as pernas, tal como um dia vaticinou um dos geniais jovens turcos do PS. Mas Costa é um negociador, um político experiente, um democrata, enfim. Vai daí, descansou o país: isto não é para levar a sério, neste pacto só eu é que ganho, o comunismo é para guardar na gaveta. Ou seja, o lobo mau não vai morder ninguém, assegura-nos o grande e vitorioso líder do PS. 
O que tudo isto revela é que António Costa nunca leu os Três Porquinhos ou o Capuchinho Vermelho. Essa sim, literatura clássica, profunda e basilar sobre a natureza humana e o próprio lobo mau. Ou então leu e não percebeu. Ou então leu e acha que consegue enganar o lobo que tem uma vasta experiência a espalhar o terror entre meninos, meninas, porquinhos e carneirinhos. O lobo mau, Dr. António Costa, não negoceia: o lobo mau ou é sonso e disfarça-se de velhinha ou entra à bruta e come tudo o que tem pela frente. Em nenhuma das versões da história do lobo mau ele negociou com os porquinhos para que um deles lhe abrisse a porta: “Olha, deixa-me entrar que eu só te como uma perninha…” Não, ele engana ou sopra. Depois, devora. Pois, António Costa cometeu dois erros de palmatória que nem as crianças de quatro anos cometem: acha que é mais esperto que o lobo mau, negociando, e acha que nós somos todos parvos, acreditando que ele é mais esperto que o lobo mau. 
Imaginar que o PCP e o BE deixariam o PS governar durante seis meses seguidos, ou mesmo dois, sem mostrar os dentes, é achar que o lobo mau também só comeria uma perninha do porquinho se ele o deixasse entrar. Mas o homem não é parvo, pensaríamos nós. Talvez não, mas é certamente um homem desesperado. E tal como Dorian Gray, quando a vaidade se transforma em desespero, até o diabo serve para fazer pactos.
A única dúvida agora é saber qual dos lobos maus vai devorar o António Costa. Para já é certinho que estão ambos a lamber os beiços e de faca e garfo em punho para fazerem picadinho do líder do PS. Resta-lhe, a ele, que os lenhadores cheguem a horas. 

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