Da batota à chantagem política

Dinis de Abreu |SOL | 27/10/2015

Na comédia de enganos, estreada a 4 de outubro, António Costa decidiu vestir o fato de vencedor sabendo-se vencido, e teve  uma frase enigmática à boca de cena (após o prólogo  com as  esquerdas) que os jornais puxaram para  título,  como se fosse um  fait divers  sonante: «É como se estivéssemos a deitar abaixo o resto do muro de Berlim».
Nos bastidores, o PCP deve ter perguntado ao Bloco se a piada era com eles, porque nada do que têm dito ou publicado no Avante! legitimaria tal despautério. E o Bloco, recomposto graças à inépcia dos seus dissidentes, terá achado provavelmente o dito irrelevante, entretido como tem andado a mostrar-se disponível para tudo.
Para quem esbracejava o antes inconfessado desejo de um governo de esquerda, com comunistas inconvertíveis, o absurdo é bem revelador da propensão de Costa para a utopia, que faz desconfiar qualquer pessoa com um módico de lucidez. Ora, não se brinca com coisas sérias.
A queda do Muro de Berlim foi um dos mais formidáveis acontecimentos da história do século XX, ao reunificar um país, devolvendo a liberdade a milhões de cidadãos separados por quilómetros de arame farpado.
Quem hoje visite Berlim encontra ainda, em vários pontos do percurso do antigo Muro, os resquícios dessa afronta civilizacional, que custou a vida a muitos desesperados.
Um Muro que o PCP sempre defendeu, quando os seus dirigentes se passeavam com os antigos líderes da RDA, convidados habituais da Festa do Avante!  
Num virtuoso passe de mágica, Costa quis passar um certificado de bom comportamento a Jerónimo e a Catarina, como se ambos tivessem renunciado aos dogmas que trazem colados à pele, onde a democracia não passa de fachada útil para alcançar o poder, fieis à ditadura do proletariado.
Disse-o, e bem, Jaime Gama, antigo dirigente socialista, num painel do Observador, onde explicou o «manual do PCP», no qual «tudo se justifica no terreno da tática, mesmo o disfarce».
António Barreto, outro socialista, lembrou num pedagógico artigo no DN que «o PCP integra o sistema democrático pela simples razão de que a democracia é o regime de todos, incluindo os não democratas».
Barreto não tem dúvidas de que, «a ter de ficar nas mãos de alguém, prefiro mil vezes os credores aos comunistas. Destes, sei que não se sai vivo nem livre».
O colapso do comunismo no leste europeu, embora tenha varrido de cena os principais partidos que dele se reclamavam – em Espanha, Itália ou França – não beliscou o PCP, nem os seus satélites. Recobraram ânimo e arrogância.
O PCP não mudou, salvo no estilo, mais sofisticado. E o Bloco, descontados os sorrisos postiços, é tão trotskista e maoísta como no tempo de Louçã, que continua de batina a orientar a missa a partir da sacristia.
Ora, como pode António Costa invocar, com a ligeireza de um prestidigitador, o derrube do «resto do Muro de Berlim» ao negociar um governo – ou uma plataforma –, com quem não se desviou um milímetro da sua ortodoxia rígida?
Se tudo isto não fosse uma manifestação patética de mau perder e de falta de seriedade política, o delírio das negociações do PS com as esquerdas até poderia ser cómico. Infelizmente, é uma manipulação perigosa. O país não é um laboratório.
Até Manuela Ferreira Leite, ao despertar de um sono estranho, percebeu o logro em que caíra e declarou no seu espaço televisivo que o que António Costa «está a fazer é um verdadeiro golpe de Estado» sem «nenhum mandato para se aliar à esquerda». Ou
seja, é uma «fraude para os eleitores».
A antiga líder do PSD tem estado bem acompanhada nos seus receios. Francisco Assis veio de propósito a Lisboa dizer quase o mesmo, num discurso de filigrana fina. E Sérgio Sousa Pinto não hesitou em bater com a porta no secretariado socialista, em aberta discordância com a deriva de Costa.
A fratura no interior do PS parece irreversível, caso se verifique o cenário da «maioria de esquerda», uma impostura após o simulacro negocial com o PSD e CDS. 
Não se acredita que Cavaco caia na esparrela de viabilizar um enredo contranatura. Todavia, à saída de Belém, concertados, Costa e Catarina brandiram a «perda de tempo» se o Presidente indigitar Passos Coelho. E Jerónimo acolitou. Depois da batota, é a chantagem política.
Carlos César – um carreirista açoriano sem emprego fora da politica que se lhe conheça – veio dizer na TVI que os termos do acordo com o PCP e o Bloco só serão mostrados após a indigitação de Costa. Um jogo escondido. 
Entretanto, às escâncaras, os eurodeputados do PCP anunciaram que pretendem levar a debate no Parlamento Europeu a saída de Portugal do euro e a «renegociação da dívida».
É o jogo escondido… com o rabo de fora, numa novela de maus costumes.

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