A força do PC

Francisco Mendes da Silva
Jornal Económico, 2015.10.27
Quem manda em Portugal é o Partido Comunista.
Andamos enlevados com a ideia de António Costa como o dono do poder de coroação, mas quem tudo decidirá – quem governa, como governa – é Jerónimo de Sousa, no proverbial resguardo do seu partido.

O afã do PS em regressar ao poder não foi bom conselheiro: Costa revelou demasiado cedo a sua falta de vontade em viabilizar um Governo PSD-CDS e isso encareceu, automática e brutalmente, o preço que terá de pagar pelo poder (ou pela ilusão do dito) a uma extrema-esquerda que de repente se viu num pedestal, triunfante, como único obstáculo à concretização daquele objectivo. 
A história das últimas semanas é a história de como o PS se foi agrilhoando aos comunistas. Costa começou por dizer que não boicotaria um governo liderado pela coligação de centro-direita se não conseguisse formar uma coligação positiva alternativa, que garantisse os compromissos internacionais de Portugal e a estabilidade política a longo prazo. No entanto, sem o risco de o PS se virar para a direita, a extrema-esquerda sentiu-se livre para imediatamente demolir, um por um, aqueles alicereces do acordo desejado. A retórica tratou do primeiro: não se encontra nas palavras de Jerónimo de Sousa (e Catarina Martins) outra coisa que não o negativismo, o desejo simples de impedir a formação de um governo PSD-CDS. Quanto aos compromissos internacionais, Costa viu-se obrigado a dizer que eles não serão um problema, porque o suposto acordo não versará sobre os mesmos. Ou seja, os partidos, por conveniência momentânea, decidiram ignorar os guias fundamentais da definição das políticas do país, para que estes não atrapalhem a celebração do acordo, ainda que neste aspecto sejam profundas as diferenças entre o PS e a extrema-esquerda e qualquer governação dependa absolutamente de uma tomada de posição de princípio favorável ou desfavorável àqueles compromissos. Por fim, parece também ter falecido a ideia de que o PS estará em condições de liderar um governo estável no prazo da legislatura. Percebeu-se isso na entrevista que Jerónimo de Sousa deu na passada Sexta-feira à TVI: o que este quer é apenas um acordo para o momento inicial, de viabilização de um governo minoritário do PS. Depois, caros amigos, a luta continua.
Neste cenário, o PS passou de ter o pão e o queijo na mão para ter a foice e o martelo presos ao tornozelo. Com o Bloco aparentemente mais pragmático, será o PC que ditará se haverá um governo de António Costa e, passo a passo, as condições de sobrevivência do mesmo. Por isso, repito: tal como as coisas estão, quem manda em Portugal é o Partido Comunista.
O PS sabe já, portanto, que não conseguirá mais do que o mínimo compromisso possível, ao preço mais elevado possível, e que para governar terá de assumir um mandato armadilhado desde o início. Para o PCP, os socialistas serão os idiotas úteis de que sempre falaram Lenine e Cunhal – a esquerda burguesa que os comunistas utilizarão para derrotar a direita, numa primeira fase, e que depois será ela própria derrotada. 
Enquanto PS e Bloco celebram estes dias de euforia, como um momento seminal de emancipação, o PCP continua com a calma habitual, típica de quem sabe que esta possível vitória circunstancial dificilmente será sequer uma nota de rodapé na história secular da “luta final”. Assim se vê a força do PC. 

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