Sínodo da Família: uma benção para o mundo

P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Observador 31/10/2015 

Cabe ao Papa explicar como a pastoral da misericórdia se articula com a fé da Igreja, como manter que um matrimónio válido seja preterido por união posterior, mantando o princípio da indissolubilidade

O processo ainda não está concluído, mas já se pode dizer que o Sínodo sobre “Os desafios pastorais da família no contexto da evangelização” foi uma experiência positiva, não só pelo facto de todas as conclusões, mesmo as mais polémicas, terem sido sufragadas por dois terços dos padres sinodais, mas também porque o relatório final melhorou substancialmente o “instrumentum laboris”, isto é o texto de trabalho elaborado a partir das conclusões da assembleia extraordinária de Outubro de 2014.
Ao contrário do que sucedia no anterior texto que, segundo George Weigel, era “biblicamente anoréctico”, as conclusões do último Sínodo expressam uma mais madura reflexão teológica. De forma mais assertiva, reafirmou-se a doutrina da Igreja sobre o matrimónio e a eucaristia e renovou-se o apelo conciliar à santidade. Os membros desta assembleia sinodal insistiram também na necessidade de um atendimento pastoral específico para com as famílias e casais em situações difíceis. Reafirmaram ainda que a geração é uma bênção de Deus e louvaram o exemplo dos casais felizes e das famílias numerosas, agentes prioritários da evangelização.
Outro capítulo, sobre o qual as conclusões deste Sínodo foram especialmente esclarecedoras, respeita à aplicação da doutrina da Igreja, ou seja, à pastoral familiar. Com efeito, estudou-se a relação entre a consciência individual e a verdade, excluindo-se que aquela possa substituir, ou contrariar, os ensinamentos revelados por Cristo. Neste sentido, sublinhou-se que a actividade pastoral deve estar em sintonia com o magistério eclesial, sendo inviáveis soluções locais ou regionais contrárias à doutrina da Igreja, que é una e universal. Embora ciente de que, em alguns países, a lei civil equiparou ao casamento natural outras uniões, o Sínodo entendeu que só aquele é verdadeiro matrimónio e, em consequência, o único que pode fundar uma autêntica família. Harmonizaram-se os conceitos de verdade revelada e de misericórdia divina, na teoria e na prática pastoral.       
Muito embora a última assembleia sinodal tenha sido mais afirmativa e pacífica do que a precedente, é também verdade que se fizeram sentir diversas correntes interpretativas da doutrina e da tradição eclesial. Por um lado, um sector significativo do episcopado europeu e norte-americano, tendo em conta as circunstâncias de muitos dos seus fiéis, sugeriu tolerar uma segunda união, permitindo aos cônjuges recasados o regresso à prática sacramental da confissão e da comunhão eucarística, que na actualidade não lhes é permitida. Por outro, muitos bispos do resto do mundo reagiram contra essa hipótese, na medida em que a consideram contrária à indissolubilidade matrimonial e à doutrina, também revelada, sobre a eucaristia. O relatório final do Sínodo aponta para a manutenção da doutrina da Igreja mas, ao mesmo tempo, apela para uma atitude mais flexível em relação aos fiéis que se encontram em situação matrimonial irregular.
Cabe agora a Francisco a última palavra, provavelmente através de uma exortação apostólica pós-sinodal. Uma das questões que o papa deverá solucionar é a que respeita à forma como a pastoral da misericórdia se conjuga com a fé da Igreja. Ou seja: como manter que um matrimónio válido seja preterido por uma união posterior, sem contrariar o princípio irrevogável da indissolubilidade?! Ou ainda: como admitir à comunhão eucarística um fiel que, embora canonicamente casado com uma pessoa, vive maritalmente com outra quando, segundo o ensinamento paulino e a prática da Igreja, se proíbe a eucaristia a quem se encontra nesse estado?! Como fez notar o Cardeal Arinze, se a esses fiéis se permite aceder à comunhão eucarística, não poderiam também comungar todos os cristãos cuja vida contradiz os princípios evangélicos como, por exemplo, os solteiros que vivem maritalmente?!  
Para ultrapassar este impasse, alguns padres sinodais apelaram à noção de discernimento, ou seja, a um acto prudencial que, em cada caso, o pastor competente deveria realizar sobre a situação concreta de um fiel, permitindo-lhe, ou não, a prática sacramental. Mas, como se tem dito, uma tal solução poderia levar ao casuísmo e a uma relativa confusão sobre a questão, com pastores mais rigoristas a negarem o que outros, mais permissivos, autorizariam. Sem um critério uniforme, perder-se-ia também a unidade doutrinal da Igreja, resultando um enfraquecimento do magistério pontifício e o esvaziamento do próprio sínodo. Se assim fosse, seriam na prática indiferentes as recomendações pontifícias, ou as conclusões sinodais, pois, em qualquer caso, prevaleceria o que, em cada diocese, o bispo decidisse.
A procissão ainda vai no adro porque o resultado das duas assembleias sinodais, extraordinária e ordinária, reunidas em Roma em 2014 e 2015, respectivamente, só será conhecido quando for publicado o documento em que Francisco decidirá, com carácter definitivo, quais as conclusões a introduzir na pastoral católica. Aos fiéis caberá então, em coerência com a sua fé, acatar a decisão pontifícia.
De todos os modos, é já possível registar com satisfação que a pluralidade eclesial se uniu na comum exaltação do dom da família e do mistério do amor matrimonial, entendido como a união indissolúvel entre uma mulher e um homem, de per si apta para a geração. Todos os fiéis, de acordo com as suas próprias circunstâncias, são chamados a viver em família, porque a Igreja é família e cada família cristã uma igreja doméstica. Tal como, na Santíssima Trindade, onde a pluralidade das pessoas não obsta à unidade substancial, também cada família deve ser, na diversidade dos seus membros, uma experiência de comunhão no amor que o próprio Deus é.

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