Refugiados e imigrantes: Portugal

António Barreto
DN2016.02.21

Perante uma das mais graves crises da história recente da Europa, as autoridades portuguesas (Presidente, Parlamento e governo, assim como partidos políticos) já deveriam ter tomado uma posição comum. Sozinho, Portugal pouco poderá fazer. Na União e com a Europa, muito pode e deve ser feito. Ora, as instâncias internacionais só fazem o que os seus mandantes querem. No fim da decisão, estão sempre serviços, empresas, funcionários, médicos e polícias. Todos estes pertencem a países, não à União. Esta tem feito pouco, porque os seus membros não se entendem. Eis por que Portugal deverá estar mais empenhado a propor o que a União deve fazer.
Portugal tem fraca tradição no acolhimento de refugiados. Umas tantas cabeças coroadas dos séculos XIX e XX. Um ou outro ditador. Alguns milionários. Uns tantos judeus no século XX. Uns jovens austríacos logo a seguir à guerra. Uns oriundos dos países comunistas. Coisa pouca. É pena, dado que o acolhimento de refugiados em busca de liberdade e segurança é, desde a Antiguidade, um dos grandes sinais de civilização e decência! Infelizmente, Portugal tem tradição em "fazer refugiados": judeus nos séculos XV e XVI, jesuítas no século XVIII, padres e freiras nos séculos XIX e XX, liberais e miguelistas no século XIX, republicanos, monárquicos, democratas, socialistas e comunistas no século XX.
Mais tradição tem Portugal como fonte de emigrantes. Foram três ou quatro milhões durante os séculos XIX a XXI. Para todo o mundo. No acolhimento, temos menos prática. Nos anos 1974 a 1976, talvez 600 000 repatriados, expatriados e retornados. Depois disso, cem mil brasileiros, outros tantos ucranianos, 70 000 outros lusófonos e umas dezenas de milhares de outras nacionalidades. Esta experiência poderá servir-nos, mas a verdade é que só há imigrantes quando há oportunidades e emprego. Ora, a curto prazo, não parece haver nada disso.
Portugal deve receber refugiados. Deve distinguir entre nacionalidades, situações, objectivos e circunstâncias. Deve receber de uma maneira os refugiados e de outra os imigrantes. Deve ser mais generoso com os primeiros e muito mais rigoroso com os segundos. Os refugiados devem poder gozar de apoios excepcionais, mas limitados no tempo. Direitos e deveres dos refugiados devem deixar de ser extraordinários a breve prazo. O número de refugiados que Portugal está disposto a aceitar deve ser anunciado, com todas as condições necessárias: circunstâncias, origem e procedimentos legais. A fixação de limites, tão generosos quanto possível, tem a vantagem de permitir prever recursos, dispositivos jurídicos e condições de instalação, além de conferir a autoridade de rejeitar candidaturas e deportar quem o deva ser. Os refugiados não serão distribuídos como mercadoria ou animais, mas sim como seres humanos que têm alguma coisa a dizer sobre o seu destino.
Sobre matéria tão difícil e delicada, não poderia o Parlamento chegar a uma posição comum à grande maioria? Não poderia realizar um debate sereno, sem vozes estridentes e sem as armas de arremesso habituais, a fim de delinear uma posição consistente de Portugal? Não poderiam o governo e o Presidente da República associar-se? Não seria possível, por exemplo, estabelecer quantitativos de refugiados e definir montantes de despesa excepcionais? Especificar as circunstâncias e os países de origem deste acolhimento extraordinário? Fazer um elenco claro dos direitos e dos deveres desses refugiados, a fim de consagrar a humanidade, mas também a igualdade relativamente aos cidadãos nacionais e outros imigrados?
O primeiro-ministro António Costa surpreendeu, curiosamente em Bruxelas, com o anúncio de que Portugal estaria disposto a receber dez mil refugiados a seleccionar entre os que já residem em certos países europeus (na verdade, acrescentar 5000 aos quase outros tantos "distribuídos" pela União). Muito bem. Um limite quantitativo, que traduz uma vontade e uma disposição, foi anunciado. Não foi preciso ficar à espera. Por isso, aplauso. Mas tudo leva a crer que não estejamos perante uma decisão sólida. Os cálculos não estavam feitos. As condições não foram anunciadas. As questões mais difíceis não são referidas (Com que recursos? De que países? Em que condições? Como serão alojados e empregados? Com que garantias individuais? Com que deveres? Com que direitos?). O acordo amplo com partidos não foi tentado, foi mesmo evitado, o que trará dificuldades subsequentes. O actual Presidente da República e o Presidente eleito não foram comprometidos. Não se sabe se é um propósito firme ou de um anúncio para con- sumo europeu e moeda de troca para negociações com as entidades europeias. O primeiro-ministro mostrará a sua sinceridade se esclarecer todas estas dúvidas e se tornar nacional o que pode ser apenas uma invenção. Portugal, país aberto, bem o merece.

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