Cavaco fez (alguma) justiça

António Costa (jornalista)
Ponto3 16 FEV 2016 

A justiça é mesmo muito lenta em Portugal. O Estado demorou 30 anos a condecorar uma vítima do terrorismo e das FP25 e o silêncio comprometedor que se 'ouviu' nas últimas 24 horas talvez sirva para explicar a demora. Cavaco condecorou Gaspar Castelo Branco, a primeira vítima das FP25. E, com isso, o Estado reconheceu finalmente e oficialmente que havia terrorismo no Portugal democrático e pacificado da década de 80.
O Estado português demorou 30 anos a condecorar uma vítima de assassinos políticos em território nacional, demorou 30 anos a reconhecer oficialmente que houve terrorismo em Portugal e também vítimas. Cavaco silva condecorou a título póstumo Gaspar Castelo Branco, assassinado pelas FP25 simplesmente porque era funcionário de um Estado Democrático que queriam destruir. 30 anos é muito tempo, e diz muito do Portugal que (ainda) temos.
Assassinos, terroristas. Assim, mesmo, sem eufemismos, como aqueles que ainda se liam ontem na imprensa, como se as organizações armadas que atuavam à margem da lei e da ordem não fossem isso mesmo. Se calhar, com razão, porque os tribunais demoraram tanto tempo a condenar os poucos que foram condenados e o poder político, depois, encarregou-se de os amnistiar. Foi, é uma vergonha de Estado que a condecoração de Cavaco Silva não apaga, mas suaviza.
Afinal, porque é que demorámos 30 anos a condecorar um homem que servia o Estado e que, por isso, foi assassinado? Talvez seja possível encontrar uma resposta na reação que, durante o dia de ontem, se percebeu, um silêncio comprometido no país, numa certa Esquerda que tem de conviver com a Democracia, uma dificuldade ainda hoje para aceitar que as FP25 eram um grupo terrorista.
A justiça andou para trás e para a frente, sem nunca ter fechado um dossiê que pesou na consciência coletiva do país, ou pelo menos de parte dele, como se percebe ainda hoje, 30 anos depois.
A iniciativa de Cavaco Silva tem um valor político simbólico muito forte, que ninguém ousou criticar. O Estado português reconhece publicamente, com esta condecoração, que havia terrorismo. Reconhece tarde, demasiado tarde, mesmo da parte de Cavaco Silva, que era primeiro-ministro à data do assassinato e que não esteve presente no funeral, como foi escrito pelos jornais à época. Que nem as razões de segurança o justificam.
A justiça andou para trás e para a frente, sem nunca ter fechado um dossiê que pesou na consciência coletiva do país, ou pelo menos de parte dele, como se percebe ainda hoje, 30 anos depois. A amnistia de Mário Soares, depois, fez o resto. É por isso chocante que figuras como Otelo Saraiva de Carvalho continuem a aparecer, a falar, como se fosse possível esquecer o que se passou. O que construiu, um grupo terrorista, num quadro político que era, na década de oitenta, absolutamente pacificado.
O assassinato de Gaspar Castelo Branco ocorre em 1986, no dia de reflexão que antecedeu as presidenciais ganhas por Soares a Freitas do Amaral. No ano da entrada na comunidade económica europeia. Não há perdão possível, menos ainda amnistia. Mas houve.
Na verdade, já sabíamos, a justiça é mesmo lenta em Portugal e, às vezes, nem sequer é feita pelos agentes da justiça. A política tinha falhado com a amnistia de Soares, agora, com Cavaco, fez-se (alguma) justiça.

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