Saudades de Jerusalém [Crónica espiritual de uma peregrinação portuguesa à pátria de Jesus]
Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada
Voz da Verdade, 2012-10-21
Ainda na cidade santa das três grandes religiões monoteístas e eu já sentia saudades de Jerusalém. Este lugar, que Jesus Cristo santificou com a sua paixão, morte e ressurreição, é como que um sacramental da sua presença. Aqui e além, sente-se impressionantemente viva essa personalidade divina e humana, porque entranhada nos sítios onde se verificaram historicamente tão importantes feitos da sua história. Que é, afinal, a nossa história, a história da humanidade.
Voltei a Jerusalém por ocasião de uma numerosa peregrinação da Lugar-Tenência da Ordem de Cavalaria do Santo Sepulcro de Jerusalém, que culminou com a investidura de novos Cavaleiros e Damas, junto ao túmulo vazio do ressuscitado. Antes de pisar e beijar o solo da pátria de Jesus Cristo, tivemos a graça de receber a bênção apostólica do Santo Padre, em Roma, que nos dispensou um especial acolhimento na audiência geral, sublinhando-se deste modo a muito particular obediência, efectiva e afectiva, desta Ordem pontifícia ao Vigário de Cristo.
Já na Terra Santa, os mais de setenta peregrinos lusitanos calcorrearam, com piedosa emoção, os santos lugares – Belém, Nazaré, Ain Karem, Caná, Cafarnaum, Jericó, Emaús, Jerusalém, etc. – venerados pela tradição cristã. Na basílica da Anunciação, em cujo interior já consta um mosaico de Nossa Senhora de Fátima, foi inaugurado e benzido, na arcada exterior, um bonito painel de azulejos de Nossa Senhora da Conceição, rainha e padroeira de Portugal, oferta da Lugar-Tenência lusitana da Ordem.
Com espírito de penitência e oração, os Cavaleiros e Damas do Santo Sepulcro, na companhia dos seus familiares e amigos, propuseram-se seguir os passos de Nosso Senhor, com aquele espírito e unção de gerações e gerações de outros muitos seus irmãos na fé, que foram à Terra Santa com este salutar propósito. Como recentemente recordou o Papa, a viagem àquela bendita terra não pode deixar de revestir um carácter particularmente espiritual: «Terra da revelação bíblica, o Médio Oriente tornou-se muito cedo uma meta privilegiada de peregrinação para muitos cristãos, vindos de todo o mundo para consolidar a sua fé e viver uma experiência profundamente espiritual. Tratava-se então dum caminho penitencial, que exprimia uma sede autêntica de Deus. A peregrinação bíblica actual deve voltar a esta intuição inicial: concebida como penitência para a conversão e como busca de Deus e propondo-se palmilhar os passos históricos de Cristo e dos Apóstolos, a peregrinação aos lugares santos e apostólicos, se for vivida com fé profunda, pode constituir um autêntico seguimento de Cristo» (Bento XVI, A Igreja no Médio Oriente, 14-9-2012, nº 83).
Jerusalém é uma cidade dividida por muitos muros de lamentações. Aí vê-se e sofre-se a tensão de atávicos preconceitos étnicos e religiosos, como se a paixão de Jesus fosse uma realidade perene no local em que ocorreu, há dois mil anos. Agora, a agonia do Senhor é sofrida pela Igreja, que é o seu corpo, sobretudo na carne dos seus conterrâneos que lá professam a fé cristã: «esta terra bendita e os povos que nela habitam sofrem, de forma dramática, as angústias humanas. Quantas mortes, quantas vidas ceifadas pela cegueira humana, quantos temores e humilhações! Parece não haver freio ao crime de Caim (cf. Gn 4,6-10; 1Jo 3,8-15), entre os filhos de Adão e Eva criados à imagem de Deus (cf Gn 1,27) … O pecado de Adão, consolidado pela culpa de Caim, não cessa de produzir espinhos e abrolhos (cf. Gn 3,18) ainda hoje. Como é triste ver esta terra bendita sofrer nos seus filhos, que encarniçadamente se destroçam uns aos outros, e morrem!» (Idem, nº 8).
A saudade não é apenas a nostalgia de alguém ou de algum sítio, nem uma simples recordação, mas algo que se evoca com emoção, em função de uma pertença que perdura para além do tempo e do espaço, porque se afirma no contexto de uma relação existencial. Para qualquer cristão, Jerusalém é a cidade santa a que, com necessidade, se reporta a sua fé que, nesse santo lugar, tem o seu fundamento histórico. Portanto, a perda do sentido de pertença à pátria de Jesus significaria um dramático empobrecimento da Igreja e da própria identidade cristã. Por isso, a Sagrada Escritura reprova, com justificado ênfase, a falta de comunhão com a Igreja hierosolomitana: «Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, que a minha mão direita paralise! Que a minha língua se apegue ao paladar, se eu não me lembrar de ti, (…) Jerusalém» (Sl 136, 5-6).
Queira a Igreja portuguesa ouvir este apelo! Queiram os cristãos de Portugal responder com a sua oração, os seus sacrifícios, as suas esmolas e o seu trabalho, às lágrimas de Jesus pela cidade santa de Jerusalém! (cf. Lc 19, 41).
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