A era do homem nervoso

Público 2012-10-25 Pedro Lomba

A arte de aconselhar é das mais antigas e solenes ocupações da vida. Em rigor, começou por ser uma ciência, não uma arte. Imaginem os reis antigos rodeados de estrategas, de astrónomos, de vetustos cardeais. Estes conselheiros precisavam de dons infalíveis para dizer a verdade ao soberano, para o conduzir pelo melhor caminho. Por vezes podiam falhar ou atraiçoar. "Lá vai o ser da dupla face", comentava Luís XIII sobre Richelieu. Digamos que foram eles os primeiros representantes de uma espécie que posteriormente inundou o mundo: os consultores. Até aquele que designamos hoje como primeiro-ministro começou por ser o primeiro dos consultores.

Desde o advento da democracia que o poder deixou de estar localizado num ceptro visível ou invisível. Os dois corpos do rei deram lugar a um só: o nosso. O poder foi transferido para cada um de nós. O fardo do poder. O fardo de ter de usar o poder. O domínio sobre si mesmo tornou-se a mais pura realização do governo democrático. Daqui para a frente somos nós que nos governamos. Face ao passado, partimos em desvantagem. Porque faltam os astrónomos, os Rasputines, os profetas a que nos agarrar. E porque o mundo foi ganhando uma complexidade crescente e inédita, com forças cada vez mais poderosas e ilegíveis.

Depois, tudo se complicou ainda mais. O século XIX criou o homem público, o homem da vida pública, o homem que seguia a opinião pública. "A tirania da opinião pública", como se diz nos romances de Stendhal. Mas no século XX eis que se desenvolveu outro tipo de homem, precisamente nascido do colapso dessa vida pública, do mundo mental das cidades, dos demónios interiores explorados pela psicologia e pela literatura. Esse homem - chamemos-lhe o homem nervoso - não tem nada que ver com o melancólico e o disturbado de outras épocas. É de uma espécie nova e diferente. Aquilo que essencialmente o distingue é um estado de quase absoluta paralisia. Metido numa vastidão de organizações e conhecimentos objectivos, forçado a produzir, a decidir, a assimilar informação, o homem nervoso desespera por não saber o que fazer. Soberano para decidir, não sabe o que decidir. Implora por opiniões cada vez mais autorizadas e infalíveis. A sua liberdade é um objecto prescindível. Está preparado para seguir qualquer novo conselheiro, terapeuta, futurólogo, cientista, consultor de riscos. Não se pedem conselhos ao príncipe Hamlet. O príncipe Hamlet é que pede conselhos.

A que propósito vêm estas ruminações? Seis cientistas italianos de um organismo com o nome de Comissão de Grandes Riscos foram condenados em tribunal por terem falhado a previsão do terramoto em Áquila que provocou algumas centenas de mortos em 2009. Tinham desvalorizado os avisos sísmicos anteriores e acabaram condenados por homicídio culposo.

Uma decisão aberrante. Mas a confirmação de que o homem nervoso é hoje uma criatura infiltrada por tudo o que é poder. O homem nervoso tornou-se o verdadeiro homem democrático. Já não se limita a depender da autoridade técnica. É ele que a ordena sem nenhuma reserva, como que numa espécie de autoritarismo invertido.

O homem nervoso censura que os génios das finanças não tivessem previsto a crise das finanças; que os génios da política não antecipassem a crise do Estado; e que os génios da ciência não aplacassem a imprevisibilidade da natureza. O homem nervoso deseja máxima segurança e está disposto a condenar inocentes em prol da sua nova condição de súbditos. Súbditos de sábios forçados.



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