Difícil é fazer bem

DN 2012-10-29 João César das Neves

Vivemos tempos dolorosos, com Portugal enfrentando desafios históricos. São compreensíveis discussões, protes- tos, até tumultos. Apesar disso, alguns extremos verbais de pessoas responsáveis degradam o debate político. Compreende-se a irritação, mas espanta a falta de sensatez e nível democrático. Precisamente porque o momento é doloroso tem de haver recato.
"É preciso uma nova revolução, há essa tendência de que é preciso modular isto tudo de novo, mas ninguém pensa que a evolução para essa revolução possa ser pacífica. Esse é o grande temor que existe" (Lusa, 17/Out). Quando o herói do 25 de Abril, coronel Otelo Saraiva de Carvalho, fala em revolução exige-se atenção. Mas a revolução que ele fez há 38 anos implantou a democracia, libertou a sociedade, mudou o regime. Onde estão hoje as terríveis situações paralelas às de 1974? Há presos políticos? Censura? Partidos proibidos? Falta de liberdade? Vivemos, sem dúvida, situação grave, mas a questão é de dinheiros, uma herança endividada com zangas nas partilhas. É normal os ânimos exaltarem-se, mas não é digno comparar tais discussões a momentos grandes do passado. O 25 de Abril teve razões e ideais profundos e não deve ser rebaixado, invocando-o em questões fiscais.
O Dr. Manuel Alegre achou conveniente afirmar: "É bom não esquecer que matou-se um rei, um príncipe, um primeiro-ministro, um presidente da República e até os fundadores da República. Portanto isto não é um povo assim de tão brandos constumes como à primeira vista parece" (TVI24, 17/Out). Pode conceder-se-lhe toda a liberdade poética, mas isto parece incitamento ao terrorismo.
O mais surpreendente e negativo, porém, é ver grandes economistas, ex-ministros da área do Governo enfurecerem-se com expressões violentas e incendiárias. Por exemplo, a Dra Manuela Ferreira Leite pergunta: "O que é que interessa Portugal não entrar em falência, se no fim vamos estar todos mortos?" (DN, 19/Out). É bom lembrar que para nos matar a todos é preciso bastante mais que alterar escalões do IRS.
Cada um tem as opiniões que quiser, e em tempos dolorosos elas tendem a extremar-se. Apesar disso surpreende a falta de sensibilidade a alguns pontos elementares. Os economistas que zurzem tão violentamente a orientação do Governo conhecem como poucos a situação delicada em que o país se encontra. Sabem perfeitamente como é mínima a margem de manobra que nos é permitida. A condição do actual ministro das Finanças é a mais limitada e restrita de todos detentores do cargo nas últimas décadas, precisamente por causa dos erros cometidos nessas décadas.
O Orçamento em discussão nasce totalmente espartilhado, preso ao Memorando de Entendimento, que foi concebido, não por forças maléficas, mas pelos nossos parceiros europeus e pela instituição mundial mais experiente em ajustamento de economias. A reestruturação é indispensável e inevitavelmente dolorosa. O compromisso assinado, vinculativo em termos nacionais e aceite pelas forças políticas responsáveis, exigia um défice de 3% em 2013. Na última revisão o limite foi ajustado para 4.5%, concedendo na prática mais um ano de folga ao país.
Compreende-se a irritação dos ex-ministros, mas lamenta-se a falta de comedimento e autocontrole. Eles próprios ouviram no seu tempo frases desse tipo, mas nunca na boca de antecessores. A sua experiência ensinou-lhes como a retórica exagerada pode ser devastadora. Têm consciência que expressões como as que disseram, não contribuindo em nada para resolver as dificuldades, ajudam pelo contrário a aumentar a animosidade, incerteza e desequilíbrio nacionais. Críticas há muitas, e até há alternativas. São é piores. Todas as soluções passam por pedir renegociação das condições, o que manifesta não haver escolha.
A discordância é saudável e o debate democrático. Mas quando as coisas serenarem, será difícil entender como pessoas responsáveis sugeriram revoluções violentas, assassinatos políticos ou que o Orçamento nos mata a todos. É tão fácil dizer mal. Difícil mesmo é fazer bem.

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