O funeral de Mandela

Carla Hilário Quevedo
ionline 14 Dez 2013 - 05:00
Barack Obama não é o maior detective do mundo, nem uma personagem. É um político e, como tal, a sua principal função é a de não criar conflitos com ninguém
Num episódio recente de Elementary, Sherlock Holmes diz à detective Joan Watson que não há um lado dele que seja mais agradável e simpático. O esclarecimento é necessário porque Joan acusa Holmes de dificultar a sua vida e o seu próprio trabalho com aquela brusquidão de modos. O maior detective do mundo é-o precisamente porque não cede às regras de convivência em sociedade. A antipatia é essencial à tarefa de descobrir a verdade. Neste sentido, Sherlock Holmes está nos antípodas de qualquer político. O convívio com outros é o seu maior pesadelo, porque Sherlock não tem nada de agradável para dizer a ninguém, não consola, não elogia e não cumprimenta.
Barack Obama não é o maior detective do mundo, nem uma personagem. É, antes de mais, um político e, como tal, a sua principal função é a de não criar conflitos com ninguém. Pelo menos, nenhum que possa evitar. Não chegaria ao ponto de equiparar políticos a relações públicas, mas há parecenças nas duas actividades. A reacção desmedida ao aperto de mão de Barack Obama a Raul Castro demonstra que há quem espere que o líder do mundo livre passe por um governante num funeral sem o cumprimentar. Ou revela que há quem acredite que há eleitores que ainda podem ser enganados com a sua falsa indignação com um problema que não existe. Na verdade, ninguém espera de Barack Obama que não cumprimente seja quem for que lhe apareça à frente. E o mesmo podemos dizer de qualquer político, sim, sério. Só haveria notícia se Obama se tivesse recusado a apertar a mão de Raul Castro ou fosse de quem fosse. Seria um péssimo sinal, porque colocaria o Presidente dos Estados Unidos numa posição subalterna que não se adequa ao cargo que ocupa.
No funeral mais animado do século, houve mais episódios controversos e que se tornaram virais. O facto de se terem tornado virais deve despertar a nossa desconfiança. É provável que tenham pouco de verdade. Um exemplo é o episódio do selfie feito pelo trio Obama, Cameron e a primeira ministra da Dinamarca, Helle Thorning-Schmidt. As fotografias sugerem que Obama se diverte com a viking e que a mulher está aborrecida com a galhofa. Mas outras imagens mostram que Michelle também participou na brincadeira. Penso que fica claro que Obama acha graça a mulheres que calçam acima do 40, mas mais nada. Não sabemos o que se passou, mas concluímos depressa que houve ali uma descontracção pouco vista em funerais. A ocasião, porém, era festiva. O funeral de Nelson Mandela foi uma mega-festa ao ar livre, com gente a dançar à chuva e a celebrar a vida extraordinária de um homem superior. Houve de tudo, desde o chocho cúmplice de Winnie Mandela e Graça Machel até ao intérprete fraudulento de linguagem gestual, que agora diz ter gesticulado à parva porque viu anjos no estádio. O episódio é tão insólito como o do restauro da D. Cecilia Giménez. Houve flirts de funeral, com um Bush filho todo virado para trás a falar com uma sorridente Rainha da Jordânia, mas também surpresas, como por exemplo, Bill Clinton, muito sentadinho ao lado da mulher.
Foi um funeral de arromba. Como diria o saudoso João César Monteiro, adorei, adorei, adorei.

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