Presidenciais: dois balanços

Manuel Villaverde Cabral
Observador | 2016.01.29

Uma falsa impressão criada pelos media foi a de um retumbante êxito da candidata do Bloco com quase 470.000 votos, quando na verdade o melhor resultado do BE remonta a 2009 com quase 590.000 votos.

É altura de fazer um duplo balanço das eleições presidenciais: um quantitativo e outro qualitativo. Comecemos por pôr as contas em dia e dissipar algumas precipitações. O primeiro facto é a abstenção que bateu todos os recordes. Recordo ter previsto que esta não ficaria abaixo dos 50% e assim foi. Dada a incerteza que paira sobre o número real de eleitores por causa da incompetência mal-intencionada da oligarquia que nos governa, o melhor é esquecer as percentagens e falar do número de votantes.
Ora, tirando a reeleição do presidente da República em 2011, bem como eleições secundárias como as europeias, há dez anos (Cavaco Silva, 2006) que não tinha havido tão poucos votantes como no domingo passado: cerca de 4,7 milhões. Dos outros 5 milhões de inscritos que não votaram, a única coisa que se sabe é que uns se desinteressaram de uma eleição decidida à partida, outros eram indiferentes ao resultado e, finalmente, um grupo cuja dimensão se ignora era desfavorável a qualquer dos candidatos. Não se sabe o que estas pessoas fizeram em eleições anteriores mas é de admitir que uma boa parte deles já eram abstencionistas contumazes. Portugal é um dos recordistas da abstenção na União Europeia. Por alguma razão há-de ser!
Em resultado disso, apesar de ganhar à primeira volta, o actual presidente-eleito é o menos representativo de todos os anteriores com apenas 2,4 milhões de votos comparados com quase 2,8 milhões de Cavaco Silva há dez anos. Eanes teve quase 3 milhões em 1976; Soares 3 milhões à segunda volta em 1986; e Sampaio o mesmo em 1996. Outra falsa impressão criada pelos «media» foi a de um retumbante êxito da candidata do Bloco de Esquerda com quase 470.000 votos, quando na verdade o melhor resultado do BE remonta a 2009 com quase 590.000; desde então até domingo passado perdeu 120.000 eleitores, ou seja, mais de 25%; em 2011 caíu para metade de 2009 e em Outubro de 2015 recuperou (550.000 votantes) mas continuou abaixo de 2009, mesmo assim mais do que veio a ter nas presidenciais: assim se vê como os «media» fabricam mitos…
Quem fala de percentagens não tem em conta a mobilização real dos partidos e dos candidatos. Esta mede-se em votantes, o que não significa que os abstencionistas desapareçam do mapa político, ao qual podem voltar na primeira oportunidade para mudar as coisas! Sendo assim, o desaire do trio que sustenta o actual governo é clamoroso. Em três meses e meio, a «frente de esquerda», com os seus quatro candidatos, perdeu mais de 750.000 votos, passando de cerca de 2,7 milhões para menos de 2 milhões. Só os dois candidatos relutantemente apoiados pelo PS perderam, à conta deles, quase 500.000 votos em relação à votação do PS em 2015 – uma das suas piores de sempre.
Confirma-se, pois, como as percentagens são enganosas! Outro grande abalo da «frente popular» é o do PCP, que há dez anos mantinha sempre a mesma votação à volta dos 450.000 eleitores e desta vez perdeu mais de metade dos votos. O Comité Central congeminará as explicações que lhe convierem, mas um colapso destes é sintoma de um desconforto profundo para o qual o PCP terá de encontrar remédio depressa. Ora, isto não deixará certamente de preocupar o actual primeiro-ministro, sobretudo perante o aperto orçamental exigido pela UE…
No plano qualitativo, quem são e o que pensam os eleitores que nem no candidato vencedor votaram? Pode-se especular mas a verdade é que não existe qualquer estudo de «boca de urna» para no-lo dizer. Pela minha parte, ao contrário do que tem sido dito, penso que a composição sócio-cultural do eleitorado do presidente-eleito corresponde mais ao público das suas emissões televisivas do que aos eleitores politicamente informados e com ligações fortes aos partidos, incluindo os de «direita». Aliás, desde a primeira vez que foi estudada a adesão do eleitorado português aos partidos então existentes, há mais de 20 anos (1994), já então cerca de 45% declaravam não ter simpatia por qualquer partido!
Por sua vez, o presidente-eleito corresponde mais ao universo televisivo do que ao daqueles que se mobilizam pelos partidos. São dois mundos muito diversos e é de notar que, desde 2004, conforme publiquei no meu livro mais recente, os estudos já revelavam, tanto na cena política portuguesa como na internacional, a emergência de jovens lideranças de novo tipo, nomeadamente entre as mulheres com instrução superior, como aquelas que hoje lideram o BE com o apoio incansável mas compreensível dos jornais e da TV.
Ora, o universo televisivo do candidato presidencial vencedor nada tem a ver com o mundo social das elites emergentes. O presidente-eleito cessou de fazer política activa há mais de 15 anos e pouca actividade europeia chegou a ter. Escasseia-lhe, por outro lado, a familiaridade com as áreas que hoje esmagam a política portuguesa, ou seja, a economia e as finanças. É lícito perguntar com quem se aconselhará ele para obter estas competências concretas, não meramente opinativas nem afectivas, a fim de «ajudar» o governo, como gosta de prometer? Percebe-se assim que os dirigentes dos grandes partidos se tenham mantido à distância das presidenciais. Estas acabaram por ser uma espadeirada na água que deixa o país igual e, quanto a mim, sem soluções político-partidárias à vista para os nossos reais problemas.

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