As Estrelas na Ribeira Grande

José Maria André | Correio dos Açores, Verdadeiro Olhar, ABC Portuguese Canadian Newspaper, Spe Deus, 31-I-2016

As Estrelas na Ribeira Grande são um fenómeno muito antigo de piedade popular, recuperado há 20 anos. Ultimamente, já se festeja noutras cidades à volta e certamente se vai estender ao resto do país, à medida que se conhecer, porque agora é barato viajar aos Açores.
Há boas razões para gostar das estrelas, porque a poesia é a linguagem dos enamorados. Nossa Senhora da Estrela remonta à procissão das velas com que os primeiros cristãos comemoravam a apresentação de Jesus no Templo de Jerusalém. Esta procissão já aparece no diário da peregrinação de Egéria à Terra Santa, por volta do ano 380. Nos Açores, em particular na Ribeira Grande, adquiriu um ambiente especial, com a música à desgarrada, a Missa antes de o sol nascer, a procissão da alvorada, a confraternização de toda a cidade à mesma mesa.
Se há coisa que entusiasme o Papa Francisco é a chamada piedade popular. A seguir ao Concílio, os espíritos iluministas, em ascensão no espaço público criticavam o povo, como faziam os iluministas bem-pensantes do século XVIII. Paulo VI e os Papas seguintes reagiam a esta onda de snobismo, mas os ilustrados não desarmavam.
Na Exortação «A alegria do Evangelho», o Papa Francisco levantou novamente a bandeira da fé enraizada na cultura popular, coleccionando os argumentos dos seus antecessores (por exemplo, no nº 123).
João Paulo II dizia que «o protagonista da piedade popular é o Espírito Santo». Nada mais! (Só isto, deveria obrigar a pensar duas vezes).
Paulo VI explicou por que é que alguns não percebiam: é que a piedade popular «traduz uma certa sede de Deus, que somente os pobres e os simples podem experimentar». 
Bento XVI defendia a piedade popular como um «tesouro precioso da Igreja Católica»...
Nestas duas centenas de páginas do Papa Francisco, não faltam citações e exemplos: os gestos da piedade popular «são a manifestação duma vida teologal animada pela acção do Espírito Santo»... «têm muito que nos ensinar e, para quem os sabe ler, são um “lugar teológico” a que devemos prestar atenção»...
A apresentação de Jesus no Templo, que se comemora com a festa das estrelas, foi um negócio curioso. No Antigo Testamento, Deus instituiu este ritual como uma «compra» com que os pais resgatavam para a sua família o filho que pertencia a Deus. Assim, Nossa Senhora e S. José compraram Jesus para nós ao preço estabelecido por Deus: Jesus é nosso, por um negócio legítimo, instituído pelo próprio Deus. Outros, como o Papa Bento XVI, comentam com bom humor que o Evangelista S. Lucas, que não era judeu, não se preocupou com pormenores e apresentou o resgate como se fosse uma apresentação, um oferecimento («Jesus de Nazaré», vol. I).
Realmente, tudo isto é verdade ao mesmo tempo. A capacidade da poesia é evocar tudo, sem excluir nada. Nossa Senhora das Candeias, ou das Estrelas, é este negócio de enamorados, ao preço, sem preço, do amor infinito. 
Nas últimas páginas da Exortação, Francisco fala mais uma vez de Maria, chamando-lhe a Estrela da nova evangelização: «Sempre que olhamos para Maria, voltamos a acreditar na força revolucionária da ternura e do afecto. Nela vemos que a humildade e a ternura não são virtudes dos fracos, mas dos fortes, que não precisam de maltratar os outros para se sentirem importantes»... «Estrela da nova evangelização, ajudai-nos... para que a alegria do Evangelho chegue até aos confins da terra e nenhuma periferia fique privada da sua luz».
Quem quer ser revolucionário? Mas a sério! Com a força revolucionária da ternura e do afecto.
José Maria C.S. André
(Na antevéspera de Nossa Senhora da Estrela, que este ano calha a 2 de Fevereiro de 2016 e, este ano, na Ribeira Grande, se celebra no próximo Domingo)


Milhares de pessoas – toda a cidade – cantam e tocam, na serenata à Senhora da Estrela.

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