O plano chama-se tranquibérnia da regionalização

Helena Matos
Observador 17/1/2016

Agora que já não sobra ninguém para casar, nem causas para arrebatar os activistas, a eleição dos presidentes das áreas metropolitanas é folclore qb para entreter este país que se afunda ainda mais.

Mário Nogueira manda no ministério da Educação enquanto o ministro propriamente dito recuperou as defuntas sessões de dinamização cultural do MFA e anda pelas escolas de Portugal a espalhar o tempo novo.
A Frente Comum “desafia” e “exige” a reposição das 35 horas semanais de trabalho na função pública. Um privilégio face aos trabalhadores do privado que implica necessariamente desviar para o pagamento das horas extraordinárias aos trabalhadores verbas que deviam ser afectas aos serviços. Como assinala o jornalista José Gomes Ferreira, no próximo ano as despesas com saúde vão baixar necessariamente pois o Governo, ao mesmo tempo que manteve o tecto do Orçamento do Serviço Nacional de Saúde de 2016 igual ao de 2015, aumentou significativamente as despesas com pessoal: “os salários vão ser repostos e as horas extraordinárias vão aumentar por causa da lei das 35 horas de trabalho semanal“. Logo, o dinheiro vem das outras parcelas. Quais? As dos serviços prestados aos utentes. (Quantos foruns radiofónicos e manifestações de comissões de utentes teremos sobre este assunto? Arrisco um número: zero).
Os senhores Humberto Pedrosa e David Neeleman, a par dos accionistas das empresas que tinham ganho as concessões dos transportes públicos, devem estar a preparar-se para obter dos contribuintes portugueses, pelas reversões desses mesmos contratos, contrapartidas que lhes garantirão o sustento dos seus herdeiros por várias gerações mas que os jornais, à semelhança do que aconteceu com o acordo celebrado com os estivadores do porto de Lisboa, anunciarão como acordos de paz sem maiores detalhes nem parcelas .
Como é que isto vai acabar? Qual é o plano de António Costa? Até onde vai entregar os ministérios e as empresas públicas às corporações do sector?…
A resposta a todas essas e outras perguntas tornou-se-me óbvia quando percebi aquilo que anunciou o ministro-adjunto Eduardo Cabrita: a eleição directa dos presidentes das áreas metropolitanas em 2017 ou, por outras palavras, uma regionalização de secretaria.
Ou seja, “isto” não vai acabar pois nós vamos sair deste aparente beco sem saída para onde Costa nos está a empurrar através de uma corrida louca. Para onde? Para algo que não pedimos, não quisemos e rejeitámos em referendo: a regionalização.
Dir-me-ão que a eleição dos presidentes das áreas metropolitanas não é a regionalização. Que o PS não quer voltar a esse tema que os portugueses rejeitaram expressivamente…. Tudo isso são argumentos do tempo antigo. Do tempo em que havia acordos ao centro, do tempo em que o PS estava ao centro.
Esse tempo acabou.
No PSD espera-se que o descalabro das finanças ponha fim a este ciclo de frente popular e traga a maioria absoluta e a pressão dos credores sem as quais Passos Coelho pode ganhar eleieções mas não governar; no CDS e parte do PS aguarda-se a hora em que o desastre de Costa permita que Portugal avance para alianças e compromissos ao centro…
Mas todas essas esperas não passam de desencontros como em breve se perceberá. António Costa e a sua gente (boa parte dela a gente de Sócrates o que não é um detalhe na hora de aferir do seu patriotismo e bom senso) não se farão encontrados para tais pactos e negociações.
Agora que já não sobra ninguém para casar, nem famílias para inventar, nem causas nem causinhas para arrebatar os activistas, a eleição dos presidentes das áreas metropolitanas é folclore quanto baste para entreter o país enquanto este se afunda ainda mais. Um folclore que tem a vantagem acrescida de agradar ao PCP, que em cada nova camada do monstro administrativo vê um território de expansão; de seduzir o BE que acredita também poder ser bafejado com alguma parte desse maná de empregos, dinheiros e poder de facto, e, não menos importante, dividir o PSD, partido que tem na sua dimensão autárquica bizarrias mais que suficientes para animar vários noticiários e tornar a vida de quem o dirige num inferno.
Mas não acabam aqui as vantagens instrumentais da regionalização, por agora de secretaria depois de facto: como não por coincidência perguntou o diligente Lacão numa acção de campanha de Sampaio da Nóvoa: “Qual foi a herança política de Marcelo? Um combate sem tréguas à regionalização”. Pois é o Marcelo de centro-esquerda, o Marcelo que não quer ser Cavaco mas sim o Soares da reeleição de 1991 apoiado pelo PS e pelo PSD, o Marcelo da desdramatização arrisca-se a, caso levante reservas nesta matéria, ver-se rapidamente transformado no ogre ultra-montano que se opõe à modernização do país.
Na tranquibérnia, que é como quem diz, nesse misto de choldra e má fé a táctica é sempre a mesma: opta-se pelo mais improvável, pelo que ainda está dentro da legalidade mas já suscita inúmeras questões de legitimidade. Aquilo que se escolhe não tem qualquer interesse para o povo ou para o país mas assegura a sobrevivência política de quem está no poder.
Quando terminar o presente frenesi do desfazer e do repor não teremos tempo sequer para reflectir no que nos aconteceu porque já estaremos atolados nas mil questões dessa regionalização que não só não pedimos como rejeitámos mas que vamos ter de “aprofundar” porque já foi feita na secretaria e o futuro do país, dir-nos-ão, disso depende, sem esquecer que todos os países “avançados” já regionalizaram…
Não é por acaso que Pablo Iglesias anda há dias a dizer a quem o quer ouvir: “En España no tenemos socialistas como los portugueses” e “Ojalá el PSOE fuera tan valiente como los socialistas portugueses”. Pablo Iglesias sabe bem que o seu poder advém da fraqueza dos socialistas a que ele chama valentia. Os números de circo que Iglesias e os seus agoram montam nas cortes – a quem nem falta o número do bebé-propaganda da deputada Bescansa – só são possíveis porque o PSOE é hoje uma pálida imagem do que foi.
Em Lisboa o BE percebeu a mensagem, o PCP registou e o PS acredita que de tranquibérnia em tranquibérnia conseguirá manter vivo o embuste de perder e governar ou, melhor dizendo, ocupar São Bento coisa diversa de governar. O primeiro-ministro é um derrotado mandado por partidos minoritários que para crescerem precisam de reduzir a uma caricatura o PS. E assim continuará a ser. Portugal acabará mais dividido e frágil este processo de tranquibernização em curso. Quanto ao PS depois de ter sido o partido do regime acredita agora que para salvar o partido tem de acabar com o regime que foi seu. Não se salvarão nem um nem outro. Única certeza: quando tudo isto acabar e estivermos ainda mais falidos e com a vida do país ainda mais complicada do que em 2011 estes infaustos protagonistas, sentadinhos em estúdios de televisão, vão dizer com ar beatífico que há que contrapor a Europa dos territórios solidários à velha Europa dos Estados. E, claro, que até lá,  sob um qualquer pretexto, alguém vai imitar a performance da senhora Bescansa e seu bebé-propaganda. No fim o bebé vai para casa ou para o infantário donde não devia ter saído, o protagonista adulto ganhou o epíteto de irreverente e sobretudo entre o folclore das novas causas e das máquinas fotográficas a disparar ninguém terá coragem de dizer: já chega de palhaçadas!

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