“O sprint final” – será mesmo o último?

Manuel Villaverde Cabral
Observador, 20151110 

Esta colagem oportunista do PS aos pequenos partidos da esquerda convencional é meramente negativa e pontual. Vale hoje para impedir a coligação do PSD+CDS de governar; amanhã, logo se verá.
Segundo Arménio Carlos anunciou – e Jerónimo de Sousa confirmou na noite de 8 de Novembro na sua leitura televisiva da proposta que o PS não tinha outro remédio se não aceitar – que a manifestação promovida a 10 de Novembro pela CGTP contra o governo da coligação PSD+CDS podia ser o «sprint final da luta contra a austeridade»! Acreditamos que o PCP fará quase tudo para isso. Mas não assinar um cheque em branco ao PS nem participar no governo que este pretende constituir. O Bloco de Esquerda, não podia deixar de alinhar pelas decisões dos «seniores», com o que ambos perdem de «estrelato» aos olhos da comunicação social.
Como resultado, não só não há um «governo da esquerda», muito menos unida; não há qualquer garantia de apoio fora das medidas avulsas anunciadas e nada de promessas de apoiar qualquer orçamento! Mais: a comunicação social embandeirou em arco afirmando que o PCP garantiu o apoio ao PS durante «a legislatura» mas esta palavra mágica não consta do documento aceite pelo PS e apenas foi pronunciada da boca para fora depois de muita insistência de alguns jornalistas mais empolgados. Seguramente também não consta do documento do BE que ninguém viu em pormenor: só medidas avulsas, como se o PS tivesse dinheiro e tempo para as cumprir todas… Acredite quem quiser!
Por outras palavras, esta colagem oportunista do PS aos pequenos partidos da esquerda convencional é meramente negativa e pontual. Vale hoje para impedir a coligação do PSD+CDS de governar; amanhã, logo se verá. Do ponto de vista exigido pelo Presidente da República (PR) para quebrar, pela primeira vez em 40 anos, a regra de confiar o poder a quem teve mais votos a fim de conceder a governação ao segundo classificado, que não tem sequer um terço dos votos e não consegue formar uma autêntica aliança, a pretensão do PS está fora do marco definido pelo PR.
Em suma, não há programa comum; não há solidariedade institucional nem responsabilidades partilhadas, desde logo ao nível orçamental vis-à-vis dos cidadãos portugueses, bem como da UE e da Zona Euro, às quais pertencemos e o PS diz querer continuar a pertencer (os outros dois partidos nem a isso se comprometem). O PS recusa-se a perceber o que se passou na Grécia? É verdade que Tsipras se mantém formalmente no poder mas engoliu todas as bravatas, incluindo a última que tentou impingir aos credores. É isso que António Costa quer? Repetir Sócrates? A última vez que o PS ganhou eleições legislativas foi em 2009 e, nessa altura, teve menos deputados que a coligação vencedora em 2015, assim como menos do que o PSD e o CDS então somados, os quais poderiam ter-se unido alegando que Sócrates perdera a maioria absoluta, mas não o fizeram. Quanto ao BE e ao PCP, tiveram menos votos do que em 2015 e deixaram o PS ficar no poder para o «fritar» durante dois anos… Mas nunca o partido vencedor foi derrubado em Portugal no parlamento. Sócrates demitiu-se na esperança de recuperar a maioria absoluta. Não recuperou e foi o que se viu: quanto à ética, estamos pois entendidos.
A isto acresce o facto singular de o PR estar em final de mandato ao mesmo tempo que o novo parlamento tem um período de 6 meses durante os quais não pode ser dissolvido. Foi esta janela de oportunidade, como dizem os manobreiros, que António Costa entreviu para oferecer à «esquerda» a remoção da odiada «direita» em troca da inédita transformação do vencido em vencedor. São coincidências a mais para o PR as aceitar. Visto que a «esquerda» já o elegeu há muito tempo como o seu «ódio de estimação», que lhe ganhou cinco eleições!, Cavaco Silva nada deve a essa «esquerda» e pode deixar o governo PSD+CDS em gestão mais uns meses ou, de preferência, investir um «governo de sábios» susceptível de garantir o mínimo político até o novo (ou nova) Presidente da República convocar novas eleições para repor a normalidade. O eleitorado dirá então quem tinha razão. O PS não quer esta solução porque sabe que perderia essas eleições!
Em suma, é caso para perguntar como é que uma mudança eleitoral que não chegou a alterar a ordem dos partidos mais votados há quatro anos se arrisca a degenerar numa convulsão em que o mundo negro da «austeridade» se transformaria no cor-de-rosa do PS ou, porventura, no vermelho da «frente popular»? Em dialética, como é que tão pequena quantidade se transformou em tão grande qualidade? Em suma, como é que se construiu, com a ajuda de uma comunicação social inconsequente e fagocitada pelo pós-modernismo de salão, este insuportável clima de guerra civil em que foi incubado o protesto pelo protesto, a acusação pela acusação, em suma, o desprezo pela realidade e pelos valores de orientação? Como é que se instaurou esse ambiente – segundo o qual o inimigo do meu inimigo, meu amigo é – que Costa e o PS mobilizam hoje, sem atender às consequências, contra o esforço do anterior governo para continuarmos a ser europeus de pleno direito? Seja como for, o clima está criado e os custos serão muito grandes, seja qual for a solução imediata!

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