Os ingredientes do mal

Viriato Soromenho Marques
DN 20151115

O primeiro ingrediente causal do maior derramamento de sangue nas ruas de Paris desde os combates pela Libertação, em agosto de 1944, será a revelação da identidade francesa de todos, ou quase todos, os oito terroristas envolvidos na matança. Aposto que serão jovens e adolescentes de origem árabe, cidadãos franceses de segunda ou terceira geração, mas que foram arrastados para o casulo duma identidade excêntrica. Eles confirmam aquilo que Régis Debray e Amin Maalouf denunciaram décadas antes da criação do ISIS.: o falhanço da escola e da sociedade francesas na transmissão dos valores integradores da cidadania democrática e republicana.
O segundo ingrediente, mais universal, foi analisado há décadas pelo saudoso Ernest Gellner: uma parte do islão resolveu, com um ressentimento fanático, combater a modernidade com as armas da modernidade (literacia, competência tecnológica e bélica, poder financeiro). Primeiro houve uma vaga de reformadores autoritários, defendendo, contudo, valores protoliberais, o Estado laico, a igualdade de género. Gente tão diferente como Ataturk, na Turquia, Nasser, no Egito, Pahlevi, no Irão, ou até os ditadores Kadhafi e Saddam, respetivamente, na Líbia e no Iraque. Depois vieram os regimes e movimentos teocráticos, com a dissolução da sociedade civil, a asfixia das liberdades, o esmagamento da condição feminina. São estes regimes, sobretudo os de confissão sunita, como é o caso da Arábia Saudita, que abrigados na imunidade da sua imensa riqueza educam, organizam e armam as células de "lobos solitários", que em qualquer momento podem ser ativadas no e contra o Ocidente.
O terceiro ingrediente é a invencível ignorância dos governos ocidentais. Atacando os aliados funcionais, como aconteceu no Iraque e na Líbia. Tolerando os regimes que financiam o fundamentalismo, chegando até a fomentar o terrorismo quando este é considerado como um instrumento útil, como aconteceu no apoio ao jihadismo no Afeganistão pró-soviético.
Mas o quarto ingrediente do mal poderá acontecer em breve, se vencer a solução do governo húngaro para o fluxo de refugiados. Mais uma vez a Europa disfarçaria o seu medo, erguendo muros não contra os terroristas, mas contra as suas mais desesperadas vítimas. Enviando, com alarde, mais fúteis drones contra inimigos que só a coragem de uma campanha militar multinacional em larga escala poderia derrotar.

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