A técnica do Botox aplicada à ciência económica

PEDRO SOUSA CARVALHO Público 27/11/2015 

O que se sente quando se junta o Botox e o Viagra? Uma imensa alegria. Alegria, porque se paga menos impostos.
A gigante norte-americana Pfizer, que comercializa o famoso medicamento para a disfunção eréctil, anunciou esta semana que se vai juntar à irlandesa Allergan, fabricante do conhecido tratamento anti-rugas Botox, numa megaoperação contabilizada em 160 mil milhões de dólares. É a terceira maior operação de aquisição da história e a maior de sempre na indústria farmacêutica. A Pfizer, fundada em Brooklyn, em 1849, não escondeu a motivação para comprar a empresa com sede em Dublin: vai reduzir a sua factura fiscal em 21 mil milhões de dólares, já que nos EUA a empresa pagava uma taxa efectiva de imposto de 26,5% e depois de mudar a sede para Dublin irá reduzir esse valor para 17% a 18%. Isto, porque os lucros repatriados para a Irlanda serão taxados a 12,5%.
Os democratas Hilary Clinton e Bernie Sanders acusaram a Pfizer de usar “artifícios legais” para não pagar impostos nos EUA e o próprio Barack Obama já se referiu a esta prática, conhecida como "tax inversions", como um “acto não patriótico”. O CEO da farmacêutica responde que os 21 mil milhões de dólares que serão poupados pela via fiscal vão “libertar fundos para investir em ciência americana”.
Indiferentes a esta discussão estão os irlandeses, que esfregam as mãos de felicidade; segundo as contas do Irish Times, esta deslocalização de sede para Dublin vai representar um encaixe anual de 620 milhões de euros para os cofres públicos. Um valor que em Portugal dava para eliminar a sobretaxa de uma assentada sem alterar o valor do défice e, possivelmente, ainda sobravam uns trocos.
Estará o leitor por esta altura a pensar o que é que isto tudo tem que ver com Portugal? Nada. Absolutamente nada. E o problema é exactamente esse. A Irlanda consegue atrair empresas como a Pfizer, a Google, a Oracle, o Facebook, a Adobe, a Amazon ou a Microsoft,porque tem uma taxa de imposto atractiva e, mais importante, oferece às empresas uma grande estabilidade fiscal. Foi em 1997 que Charlie McCreevy fez a grande reforma fiscal, delineando um plano que iria levar a uma descida da taxa de IRC dos 32% em 1997 até aos 12,5% em Janeiro de 2003. E nunca mais se mexeu na taxa, seja com governos de esquerda, seja de direita.
Enquanto na Irlanda o grande choque fiscal já dura há quase duas décadas, em Portugal a grande reforma do IRC foi feita em Dezembro de 2013, com o apoio alargado do PSD, CDS-PP e do PS de António José Seguro e durou… dois anos. O novo Governo socialista, que tomou posse esta quinta-feira, já colocou a grande reforma na gaveta e a taxa de IRC já não vai baixar para os 17% em 2019, como previa a comissão de Lobo Xavier. Além disso, o acordo entre os socialistas e o Bloco de Esquerda prevê que o prazo para reporte de prejuízos fiscais seja novamente reduzido dos 12 para os 5 anos e que o período de "participation exemption", outro dos pilares da reforma, seja aumentado dos 5% para os 10% de participação social. Por isso é que, como lembrava esta semana o Jornal de Negócios, várias empresas em Portugal estão a antecipar o pagamento de dividendos para este ano, precisamente para evitar a dupla tributação sobre os lucros no próximo ano. É por esta e por outras que mais de 80% das empresas do PSI20 criaram SGPS que têm sedes em cidades como Amesterdão, Luxemburgo e Dublin.
A previsibilidade fiscal da Irlanda, aliada à grande aposta no aumento do nível de escolaridade desde a década de 60, ajuda a explicar a capacidade de atracção de investimento do país. A Irlanda preocupa-se com os custos de contexto, tem a famosa IDA Ireland que não se submete a interesses partidários e que deveria servir de modelo à nossa AICEP e procura seguir o modelo de ajustamento macroeconómico alemão de salários domésticos controlados e uma grande aposta nas exportações.
Por isso é que a Irlanda, que tal como Portugal passou por um violento programa de austeridade, já saiu da crise. A economia cresceu 5,2% em 2014 e no primeiro semestre deste ano 7%! O rácio da dívida pública que chegou aos 125% em 2013 vai cair abaixo dos 100% no final deste ano. E tem um volume de exportações que vale 115% do PIB. Um ambiente propício para aproveitar o euro fraco, os juros historicamente baixos e o preço do petróleo em queda livre. Isto tudo numa economia que está a criar mais de mil postos de trabalho por semana.
O que é que isto tudo tem a ver connosco? Absolutamente nada. Foi este ambiente propício às empresas e à criação de emprego que fez crescer a economia de uma forma robusta e que levou a Irlanda a conseguir uma folga orçamental de 1,5 mil milhões de euros e que já permitiu a Enda Kenny, primeiro-ministro irlandês, e a Michael Noonan, ministro das Finanças, inscrever no Orçamento para 2016 um aliviar da austeridade, com descida de impostos e aumento da despesa pública.
Por cá, o crescimento económico robusto ainda não chegou, não temos nenhuma folga orçamental, não temos uma agenda reformista, as grandes reformas não duram dois anos, não há medidas para fomentar o investimento ou criar emprego, mas já estamos a aliviar toda a austeridade, colocando todas as fichas no aumento do rendimento e do consumo interno, numa estratégia que já experimentámos no passado e que em teoria económica se poderia chamar Botox. Não resultou no passado e não vai resultar no futuro.
Infelizmente, o único factor de competitividade que temos para oferecer são os baixos salários, mas esta é uma guerra que não vamos ganhar, porque há-de haver sempre algum país que os terá mais baratos. Por isso é que a fábrica das bolachas Triunfo saiu há dias de Mem Martins em Sintra e foi para a República Checa. E nos próximos quatro anos, como qualquer política económica que possa atrair investimento estrangeiro terá necessariamente de passar no comité central do PCP, que é contra o “grande capital”, provavelmente ainda não será desta que a Pfizer vai mudar a sede para a Trofa para se juntar a uma Bial ou para Loures para se juntar à Hovione.

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