Nós todos somos os relações públicas dos terroristas

Lucy Pepper
Observador 15/11/2015

Hoje, quando acontece uma atrocidade, as reações tornam-se parte do evento. E as redes sociais são utilizadas por nós todos para fazermos a nossa parte do trabalho dos terroristas.
Há dez anos que fazemos isto, correndo à internet para nos exprimirmos logo que acontecem atrocidades. Não podemos conter-nos.
Não me lembro como era nos tempos pré-internet, quando acontecia um atentado terrorista. E houve muitos. Pareciam menos reais? Menos horrorosos? Menos bárbaros? Com os muitos sequestros, bombas em bares e hotéis – será que nesses tempos tínhamos menos opiniões? Ligávamos menos a essas coisas?
Tínhamos de esperar pelo telejornal da noite para ver umas imagens pouco nítidas dos acontecimentos. Não tínhamos grande audiência para o nosso ultraje, além das nossas famílias diretas, companheiros de café ou colegas de escritório, numa pausa do trabalho.
Hoje, quando acontece uma atrocidade, as reações tornam-se parte do evento. Os canais de notícias competem entre si para chegar primeiro ao cenário e puxarem os sobreviventes das ruínas para falarem. Os cronistas (olá!) sentem-se compelidos a juntar a sua raiva às suas opiniões. E as redes sociais, que hoje fazem parte real das nossas vidas reais, são utilizadas por nós todos para fazermos a nossa parte do trabalho dos terroristas.
E as fotos de perfil mudam de cor.
E as orações são pedidas.
E os sermões aos convertidos começam.
E as culpas.
E as desculpas.
E o racismo.
E a superioridade moral.
E as brigas.
E os jogos políticos.
E as discussões.
E os berros.
E o paternalismo
E os “des-seguires” e os “des-amigares”
E as divisões.
E ao fim disto tudo, as pessoas mais sensatas e mais equilibradas calam-se, por só podem calar-se.
Passei o dia inteiro ontem a evitar dizer muita coisa. Senti a atração da internet e das notícias, claro, e o impulso para fazer parte do circo. Senti-me compelida a clicar o “like” em várias coisas mais sensatas que umas pessoas diziam. Mas o impulso de falar e de exprimir-se é forte, e passei o dia, como deve ter passado muita gente-cartoonista, com o desejo de fazer um cartoon à Charlie Hebdo, forte, feio, chocante. Mas consegui-me obrigar a ficar calada e sem-cartoon. Sinto-me profundamente triste. Sinto-me triste pela cidade de Paris, pela gente aterrorizada, pelos que morreram num instante, pelos que não morreram num instante, pelos pais que perderam filhos, pelos filhos que perderam os pais, por todos os que perderam qualquer outro. Sinto raiva, sinto-me inútil, sinto desprezo… e nenhum desses sentimentos fazem uma mínima diferença a ninguém nem a nada no mundo, excepto aos aos terroristas.
Eles cumpriram a sua tarefa, e agora nós estamos a fazer a nossa.
Como eles sempre sabiam que seria o caso.
Mesmo depois dos seus cérebros estúpidos e narcisistas (porque extremistas de qualquer tipo/cor/religião/sexo/nacionalidade são SÓ isso, narcisistas estúpidos) explodirem em cima dos inocentes, o seu trabalho é continuado por nós.
ELES ADORAM ISTO. Eles adoram que estejamos a fazer luto, a gritar de dor, a rezar… Eles adoram a ideia de que nos podem pôr a discutir entre nós, e dividir-nos cada vez mais. Eles adoram ajudar os racistas a tornarem-se mais racistas e os politicamente correctos mais beatos. Eles calcularam certamente o efeito que teria o passaporte de um refugiado da Síria ao lado do corpo de um dos suicidas-narcisistas, e que iria dividir ainda mais os dois lados, os que acham que a solução é “venham todos!” e os que acham que a solução é “voltem ao mar!”.
Lembrem-se disso. Estamos a fazer o trabalho deles.

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