Hábitos que não passam

VASCO PULIDO VALENTE Público 15/11/2015

As relações entre o Ocidente e o islão deviam ser mínimas e estritamente materiais: petróleo por tecnologia – e acabou.
Na sexta-feira um ataque militar terrorista em Paris fez mais de 120 mortos. Alguns jihadistas gritaram às vítimas que o massacre era “pela Síria”. Não esqueçamos que a Síria foi uma colónia francesa entre 1919 e 1941, quando a Inglaterra expulsou as tropas de Pétain, para grande indignação do general de Gaulle e desgosto do Império. Durante todo o século XIX e grande parte do século XX, as potências nunca deixaram de se guerrear pelo domínio do Mediterrâneo oriental e da longa costa da África do Norte: a Inglaterra, a França, a Espanha, a Alemanha e, depois de 1945, a própria América. Churchill começou a sua carreira numa carga de cavalaria em Obdurman e Georges W. Bush acabou a dele no Iraque. Pelo meio, a França perdeu o Egipto e o Sudão e ganhou a Tunísia, a Argélia e uma considerável parte de Marrocos.
O Ocidente, por razões que variaram com a época e o país, sempre se achou dono da África do Norte e do Médio Oriente. A impotência de Istambul tornava o imenso território do Império Otomano em terra de ninguém e de toda a gente, que os diplomatas da “civilização” dividiam e redividiam a régua e esquadro. Mesmo a Rússia perdeu a sua única guerra – na Crimeia, com a França e a Inglaterra – por causa de uma querela com a Igreja Católica em Jerusalém. O canal de Suez, caminho para a “jóia da coroa” e para o Oriente, e a seguir o petróleo prolongaram até hoje o longo envolvimento da Europa e da América em questões que não lhes diziam respeito. Nem a descolonização, que provocou na Argélia barbaridades sem nome, mudou muito as coisas. Sobretudo para a França que se continua a considerar tutora e protectora das suas velhas colónias.
A situação do Norte de África e do Médio Oriente é agora uma situação de guerra religiosa entre sunitas e xiitas (e as várias seitas de cada lado) e também, em certos países, de guerra entre islamitas e secularistas. Não ocorreria a nenhum estrangeiro de senso intervir neste caldeirão, como não ocorreria a um budista, por muita força e apetite que tivesse, intervir na “Guerra dos 30 Anos”. Mas nem o Ocidente nem a Rússia hesitaram um segundo em tomar partido pela palavra e pela bomba na região inteira. Julgavam que nenhum muçulmano se atreveria a transportar as suas sujas questões para o continente da liberdade e da tolerância. Um erro primário. Desde o primeiro momento que os designaram como fautores de qualquer desgraça em que metiam o nariz. As relações entre o Ocidente e o islão deviam ser mínimas e estritamente materiais: petróleo por tecnologia – e acabou. Fora isso, o terrorismo vai continuar e aumentar, quer a “grande” França queira, quer não.

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