25 de Novembro. O fim da revolução, mas só para alguns

Observador 24/11/2015

No 25 de novembro de 1975, os extremos saíram derrotados. Tanto à esquerda como à direita, as franjas das forças políticas e militares foram travadas, mas isso não significou o fim da revolução.
Golpe de Estado ou contrarrevolução? Ainda hoje as opiniões entre protagonistas e historiadores dividem-se quanto ao que aconteceu a 25 de novembro de 1975. No entanto, uma consequência direta da desmobilização dos militares que tinham como objetivo prosseguir com a revolução foi o fim de várias forças políticas que se colocavam à esquerda do PCP e que desapareceram do panorama político português. Mas se a esquerda revolucionária saiu derrotada, isso não significou o fim da revolução.
Esta é a visão de Carlos Brito, histórico do PCP que abandonou o partido em 2003 e é presidente do conselho nacional da Associação Renovação Comunista, pois considera que a aprovação da Constituição da República a 2 de abril do ano seguinte marcou efetivamente a continuação da revolução já que nela estão espelhados – pelo menos no texto original – muitos dos ideais defendidos pelas forças de esquerda antes e depois da queda do regime. “A Constituição também é revolução, foi aprovada num ambiente de revolução”, assegura Carlos Brito ao Observador, que era então deputado à Assembleia Constituinte.
Poucos dias antes de centenas de paraquedistas saírem de Tancos e tomarem vários pontos estratégicos em Lisboa e a sul do país e assim assinalarem para sempre o 25 de novembro no calendário da democracia portuguesa, o VI Governo provisório, então chefiado por Pinheiro de Azevedo, veio anunciar que o seu executivo entrava em greve – o Diário de Lisboa chama-lhe lock out – de modo a pressionar Costa Gomes, Presidente da República, a criar as condições ao normal funcionamento político do país. No dia 12 de novembro, o Governo e a Assembleia Constituinte tinham sido feitos reféns durante uma noite com várias manifestações nas ruas que impediram os deputados de irem para casa.



Desde as eleições para a Constituinte, a 25 de abril de 1975, com a adesão da esmagadora maioria do eleitorado ao modelo político de democracia pluralista, que se vai desenvolver uma luta entre a legitimidade eleitoral (proposta pelos partidos democráticos) e a legitimidade revolucionária (defendida pela esquerda revolucionária). Um conflito que iria caracterizar todo o Verão Quente e estar na origem de alguns episódios como o conflito gerado entre o PS e o PCP no 1º de Maio, o comício promovido pelos socialistas na Fonte Luminosa (em que Soares pede a demissão de Vasco Gonçalves) ou o ataque à Embaixada de Espanha no final de Setembro. O conflito na sociedade foi-se agudizando até ao desfecho militar do 25 de novembro. 
Esta divisão popular estava também presente nas Forças Armadas, com um grupo de militares moderados dentro do MFA, que virá a ser conhecido como grupo dos nove, a distanciar-se da forma como este órgão se deixou partidarizar por um determinado setor político, ou seja, os apoiantes de Vasco Gonçalves e o PCP. Isabel do Carmo, então uma das líderes do Partido Revolucionário do Proletariado que tinha como braço armado as Brigadas Revolucionárias, vê no chamado “Documento dos Nove” – que sintetiza as intenções destes moderados e que foi conhecido em agosto de 1975 – um “golpe contra o processo revolucionário em curso”, disse ao Observador.
Esse era o entendimento geral da extrema-esquerda que no final desse mês cria a FUR (Frente de Unidade Revolucionária) que agrega forças como FSP, LCI, LUAR, MDP/CDE, MES, PCP e PRP/BR. “Há uma unidade à esquerda do PS e que foi muito breve. O PCP chegou a estar presente nessas reuniões”, afirmou a médica em declarações ao Observador. Mas a participação do PCP seria sol de pouca dura. “Desde agosto que o PCP apelava ao diálogo entre os vários setores do MFA, nomeadamente entre o grupo dos Nove, a esquerda militar e o COPCON”, assegurou Carlos Brito, admitindo que “nem todas as fações do PCP seguiram essa orientação”.
Isabel do Carmo, por seu lado, considera ainda hoje que Álvaro Cunhal manteve conversações com Melo Antunes, uma das principais figuras do grupo dos nove, de modo a acalmar alguns setores mais extremistas dentro do partido e também conter as manifestações de trabalhadores. Este é ainda um ponto discutido entre vários historiadores, assim como a possibilidade do PCP ter instigado as forças à sua esquerda para que estas fossem identificadas com os acontecimentos de 25 de novembro. Algo refutado de forma veemente por Carlos Brito. “Isso é totalmente falso, o PCP não só desencorajou essas forças a participarem nessas ações, como desencorajou também os proletários a juntarem-se a qualquer manobra militar, o que evitou uma guerra civil. As forças à esquerda é que quiseram empurrar o PCP para a fogueira”, sublinhou.
Assim, a 25 de novembro, com o país lançado no caos político já que o Governo tinha suspendido funções, os militares afetos à extrema-esquerda ocupam o Comando da Região Aérea de Monsanto, Escola Militar da Força Aérea e outras cinco bases aéreas, assim como os estúdios de Lisboa da RTP. A emissão é mesmo tomada por militares e Duran Clemente, então 2.º comandante da Escola Prática de Administração Militar, interrompeu a “Telescola” para falar aos portugueses sobre os objetivos dos militares, no entanto, a emissão foi desviada para o Porto por ordens militares e começou a dar “O Homem do Diner’s Club”, uma comédia com Danny Kaye.


Costa Gomes declara o estado de sítio e durante dois dias os militares da área moderada retomam o controlo das várias bases ocupadas, havendo três mortos a registar na Amadora. Durante estes episódios, Isabel do Carmo estava escondida numa casa em Lisboa com alguns elementos do MES e também alguns militares. O refúgio tinha sido preparado com antecipação e a médica diz que não era seguro andar na rua. O Partido Revolucionário do Proletariado prosseguiu a sua atividade na clandestinidade até 1979 e tal como outras forças políticas na extrema-esquerda a sua atividade foi desvanecendo já que nunca conseguiu assumir qualquer expressão eleitoral e sem o poder da agitação nas ruas, a sua força dissipou-se.
Questionada sobre o que teria acontecido caso o processo revolucionário tivesse avançado como o partido pretendia, Isabel do Carmo hesita. “Olhando hoje para trás, é difícil avaliar. Aquilo para que se evoluiu foi uma democracia que passados 40 anos nos conduziu a um grande aumento das desigualdades. O processo revolucionário poderia ter acabado muito mal, mas também podia ter corrido bem”, afirma a médica que foi candidata pelo Livre às legislativas.
Para Carlos Brito, a “sublevação” do 25 de novembro foi uma derrota para toda a esquerda, mas também para os setores da extrema-direita que segundo afirma pretendiam restabelecer o regime que existiu até ao dia 24 de abril de 1974. “Isso não aconteceu, o MFA moderado acabou por prevalecer e assim, foi possível que os trabalhos na Assembleia Constituinte prosseguissem e a Constituição aprovada acabou por representar também a continuação da revolução”, afirmou.

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