Sínodo em família

JOÃO CÉSAR DAS NEVES | DN 2014.10.22

Os jornais são claros: a Igreja está dolorosamente dividida nas questões da família. O Sínodo dos Bispos, terminado no domingo, manifestou a polémica que irrita os fiéis e confunde o mundo. Irá finalmente a Igreja Católica aceitar o que toda a gente diz? E, ao fazê-lo, desvirtuará para sempre a doutrina, atraiçoando o Mestre? A confusão é profunda e generalizada!
Pode ser confuso, mas não é novo. Vivemo-lo há muito tempo, durante o Concílio. O de Niceia em 325, ou qualquer um dos 21 ecuménicos, incluindo o último, Segundo do Vaticano de 1962 a 1965. Estes, entre muitos outros, foram momentos difíceis, confusos, até cruéis, com muitos desorientados, atingidos, enfurecidos. Difíceis mas não inesperados, pois tínhamos sido avisados: "Em tudo somos atribulados, mas não esmagados; confundidos, mas não desesperados; perseguidos, mas não abandonados; abatidos, mas não aniquilados. Trazemos sempre no nosso corpo a morte de Jesus, para que também a vida de Jesus seja manifesta no nosso corpo" (2Co 4, 8-10).
A origem dos alvoroços é sempre a mesma. A doutrina é clara, sólida, indiscutível, vinda do mais alto dos céus. Aí não há dúvidas. A confusão está na vida, que brota do fundo do coração dos homens. Como a doutrina só existe na vida, é preciso combinar ambas. Ninguém sabe isto tão bem quanto os cristãos, cuja doutrina se fez homem e habitou entre nós. Assim os dramas dos últimos dias, como dos próximos meses, são os de sempre. Em especial, pela proximidade, assemelham-se aos vividos há cinquenta anos. Essa experiência traz-nos grandes lições e evita muitos sofrimentos, se tivermos em conta as três grandes ofertas que a época do Concílio Vaticano II nos deixou, para minorar conflitos e sarar angústias.
O primeiro dom foi um sábio conselho. Não nos preocupemos ou escandalizemos com debates, polémicas, zangas e sofrimentos. Eles fazem parte da vida humana em qualquer instituição, especialmente numa tão vasta, antiga e decisiva como a Igreja. A nossa confiança é sólida porque, além de avisados dos tumultos, fomos também informados do resultado: "Anunciei--vos estas coisas para que, em mim, tenhais a paz. No mundo, tereis tribulações; mas, tende confiança: eu já venci o mundo!" (Jo 16, 33).
A segunda dádiva da época do Concílio foi um precioso ensinamento prático: ordem. Na Igreja os pastores guiam e as ovelhas seguem. Se os primeiros se demitem ou as segundas se exaltam, as coisas correm mal. Que cada um saiba o seu lugar e não trate daquilo que não lhe compete. Se nos pomos todos a perorar, é o caos. Especialmente em temas superlativos.
Cada tempo vive os seus problemas, e as questões deste sínodo foram muitas, difíceis e complexas. Acesso aos sacramentos por casais irregulares, acolhimento a divorciados, uniões de facto, homossexuais são dilemas pastorais profundos e espinhosos que, como os dramas do século IV ou dos anos 1960, não têm respostas simples e evidentes. Dizendo sim ou não, só pode apregoar certezas claras quem escamoteia aspectos essenciais. Felizmente isto não nos compete, pois só quem sabe e manda tem de o fazer.
O peso da análise e decisão cai todo sobre um só homem: Francisco, o Vigário de Cristo. O que ele disser definirá, em absoluto, a aplicação que a Igreja fará hoje da doutrina eterna que recebeu de Jesus. Consciente das dificuldades, Sua Santidade pediu ajuda, convocando um sínodo. Deste modo distribuiu parte da sua carga aos 191 padres sinodais, ajudados por 62 peritos. Os resultados da reunião, agora divulgados, foram entregues aos bispos diocesanos e seus colaboradores, para aplicação concreta na vida das igreja locais. Estes dão as respostas. A eles devemos interrogar e escutar. Aos outros, hoje como sempre, compete-lhes rezar pelos pastores, esperar pelas determinações e obedecer quando elas vierem. Esta é a ordem.
O mundo, que compreende mal os hábitos cristãos, procura padres sinodais debaixo de qualquer pedra, atribuindo competência disciplinar a quem a quiser assumir. Sempre fizeram assim, e é normal que o façam. Como também é natural que os fiéis não se deixem assustar por isso. Para ajudar, o sínodo quis trazer-nos o terceiro presente do Concílio. A proclamação ao mundo da santidade do grande Paulo VI no último dia do sínodo é o mais valioso dos três dons. O papa Montini, a quem o Senhor confiou a Sua Igreja no último período homólogo, é, não apenas um exemplo e um mestre, mas um poderoso intercessor para os caminhos actuais da Igreja e da família. Beato Paulo VI, rogai por nós!

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