Surpresa: os trumpistas são de direita



Uma coisa reconfortante mas irritante na esquerda é a nossa tendência para achar que, façam as pessoas o que fizerem, fazem-no sempre por razões de esquerda. Isto é reconfortante (para quem é de esquerda) porque emerge de outra crença fundamental no nosso universo político-moral: a de que as pessoas têm uma propensão natural para a bondade. Mas é também irritante por partir do princípio de que o povo é “naturalmente” de esquerda e que as pessoas que alinham com a direita foram simplesmente arrastadas pelas circunstâncias económicas que nos preocupam e sem as quais, somos levados a pensar, as ovelhas tresmalhadas voltariam ao caminho do bem.

Foi este tipo de explicação que muita esquerda deu para a vitória do "Brexit", embora as razões económicas tivessem uma correlação muito menor com o voto anti-UE do que o facto de um determinado eleitor ser, por exemplo, a favor da pena de morte. E voltamos a encontrar a mesma argumentação para explicar os apoiantes de Trump. Segundo uma ideia comum, estes seriam ex-operários prejudicados pela globalização e fariam parte da classe média-baixa afetada pelo desemprego e pela desigualdade.

Certo? Os estudos disponíveis dizem que não. Quem votou Trump nas primárias republicanas tem em geral mais rendimentos do que os eleitores de Hillary Clinton ou de Bernie Sanders. Os apoiantes de Trump não eram os mais pobres entre os republicanos (ganham tanto quanto os de Ted Cruz). E não são sequer os mais pobres dos brancos americanos, pelo contrário: a família branca mediana nos EUA ganha cerca de 62 mil dólares por ano e a família mediana de trumpistas ganha 72 mil dólares. Tampouco são mais afetados pelo desemprego, aliás em níveis comparativamente baixos nos EUA (como também no Reino Unido do "Brexit").

Porque votam então eles em Trump? Basta perguntar-lhes: não porque se acham coitadinhos mas, como seria de esperar, porque concordam com ele. A característica que tem a correlação mais forte com o voto em Trump não é o rendimento ou a classe social mas o autoritarismo, a preferência por características de “ordem” contra as de “abertura”, e o preconceito racial e xenófobo. Que por sua vez não significa exposição aos imigrantes, à globalização ou à competição da China: nas áreas do país onde qualquer destas características se verifica, o voto mais comum é em Hillary Clinton. Como na França de Le Pen, as áreas com menos imigrantes e as menos afetadas pela globalização são as que mais apoiam Trump.

O que quer isto dizer? Uma surpresa: que as pessoas de direita votam na direita por razões de direita. E não o escondem: os conservadores americanos passam o tempo todo a dizer-nos que votam nos candidatos conservadores porque são conservadores. A direita americana, tal como a europeia, faz questão de proclamar que a sua luta é cultural. Enquanto nós acharmos que ela é económica correremos atrás do prejuízo.

Não nos enganemos. A esquerda deve combater a desigualdade, o desemprego, a precarização, o financeirismo e mercantilismo globais porque acredita nesse combate, não porque isso desvia votos da direita. Da mesma forma, deve combater o racismo e a xenofobia sem achar que eles são uma consequência colateral da economia. Caso contrário, arrisca-se a perder duas vezes.

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