Homilia Missa por alma de Pedro Aguiar Pinto 11-10-2016




Pe. JOÃO SEABRA   IGREJA DA ENCARNAÇÃO 11.10.2016


Confesso que estou um bocadinho sem palavras. E enquanto pensava no que havia de dizer, uma sobrinha minha mandou-me, há um bocadinho, uma mensagem com uma coisa que o Pedro escreveu e resolvi imprimi-la. Naturalmente vocês já leram, mas parto disto e depois vamos ver onde a palavra de Deus me leva. É uma coisa que ele escreveu no dia 20 de Setembro, quando mandou a carta convite para a peregrinação, e é esta meditação que partilho convosco. 

Em primeiro lugar para responder ao pedido de Nossa Senhora: “Quero dizer-te que façam aqui uma capela em minha honra, que sou a Senhora do Rosário, que continuem sempre a rezar o Terço todos os dias”. Por isso vamos e rezamos.
Depois, por muitas razões que nem nós sabemos. 
Julgamos que vamos com um objectivo e o que acontece no caminho mostra-nos que afinal era de outra coisa que nós precisávamos.
O tempo, o silêncio, a oração, o sacrifício, a partilha de cinco dias de caminho, logo no início do ano, ajudam a vivê-lo melhor. Porque se a peregrinação é uma parábola da vida, fazê-la, faz-nos querer oferecer o que acontece na vida com a mesma disponibilidade com que o peregrino oferece cada dia. 
É uma verdadeira experiência, porque nela descobrimos a inteligência do sentido das coisas.
Vamos mais uma vez de 8 a 13 de Outubro. Não quer vir connosco?»

Julgamos que sabemos porque é que vamos, mas o caminho revela-nos outro sentido ao nosso caminhar. Estas palavras são sempre verdade no caminho dos peregrinos. Hoje quando fui ter com os peregrinos à Louriceira, para celebrar Missa com eles e depois almoçar, disse-o na conversa com cada um, de variadas maneiras, segundo as circunstâncias da vida de cada um. Mas depois quando cheguei a Lisboa e li isto, escrito pelo Pedro; aquilo que eu tinha dito também a várias pessoas, percebi-o, percebi o que tinha dito. Como diz o evangelho “profetizou sem saber o que dizia porque era sumo-sacerdote naquele ano”. Aconteceu-me como a Caifás: disse uma coisa sem saber o que dizia, por inerência de função. Mas ouvindo-me ler, percebi do que estava a falar. De facto, a peregrinação é o nosso caminho para o céu. 

A nossa peregrinação qual é? A nossa peregrinação não é ir a pé a Fátima. A nossa peregrinação é ir a pé para o céu: é o caminho da nossa vida. Caminhamos dia após dia, pondo um passo à frente do outro, para irmos a pé para o céu. E o objectivo da nossa vida é chegar lá. Começámos a existir no desígnio de Deus, viemos à vida nesta terra dramática e magnífica, onde somos chamados a viver cada dia a aventura de uma vida mais humana para nos salvarmos para sempre, para a vida eterna. Deus não nos fez para estes setenta anos, oitenta anos, diz a Bíblia; sessenta e dois dizemos nós hoje diante da dor da partida do Pedro. Deus não nos fez para estes sessenta anos, para estes oitenta anos. Deus fez-nos para a vida eterna. Deus fez-nos porque nos quer amar para sempre e quer que o amemos para sempre. E dá-nos este tempo de vida, que é seu e não nosso, para que nós aprendamos a amá-lo totalmente.

Há bocadinho, estava ali na sacristia, a apresentar os padres uns aos outros – mais ou menos, os padres conhecemo-nos todos, porque somos poucos e conhecemo-nos todos; mas estava ali este grupo de padres e pensei que alguns pudessem não se conhecer – e apresentava-os por aquilo que cada um representou e representa na vida do Pedro e da Minhoca, na vida da Inês e do Gonçalo, na vida desta família, como história antiga, como história moderna, como história recente, de há muitos anos, de há poucos anos. E cada uma destas histórias: os padres que foram assistentes das equipas de casais, ou são; o padre que os acompanhou na morte da Leonor e que está aqui, que foi o primeiro passo do reencontro entusiasmado do Pedro e da Minhoca com a Igreja, do reencontro da grande experiência de fé, o Padre Vítor Feytor Pinto; os padres que eles conheceram no movimento Comunhão e Libertação, e que acompanham a fraternidade, o Padre Rafael, que acompanham as famílias para o acolhimento, o Padre Giovanni; o Padre Luis Mi que acompanha toda a nossa experiência de vida do Movimento e que nos guia na fidelidade ao carisma; os padres que são amigos deles; ou os padres que são meus amigos e que vieram aqui também para me acompanhar a mim na dor que sabem que é minha. 

Mas olhando para estes padres pensava: além destes padres que têm esta história, a igreja está cheia de gente, e cada uma tem a sua razão para estar aqui. E esta razão pode ser parentesco, pode ser amizade antiga, mas a maior parte dos casos é a história do testemunho do Pedro, da sua presença cristã, da sua comunicação de fé, da sua entrega ao serviço dos outros, da sua disponibilidade para atender, do seu acolhimento. E por isso pensei, nós padres, nesta nossa pluralidade de razões para estarmos aqui, somos uma parábola deste povo que aqui se reúne. E esta nossa reunião, este nosso encontro, este nosso estar juntos, é uma parábola daquilo que significa a vida eterna. É um sinal da certeza da vida eterna. Porque nós não estamos aqui juntos para lamentar uma desgraça. Estamos aqui juntos para proclamar uma vitória. Olharmos nos olhos a morte e dizermos: ó morte, onde está a tua vitória? E para olharmos nos olhos a vida e dizer: ó vida, tua plenitude é a vida eterna. Para darmos graças a Deus por esta história incrível que aconteceu ao Pedro, no gesto mais generoso, mais disponível, da sua vida de cada ano, que é esta peregrinação. A Joana que não está aqui, o Luís e a Alexandra que estão aqui, e os outros peregrinos todos que ficaram lá, cheios de dor de não poderem vir, mas ao mesmo tempo discernindo o que é que é mais verdadeiro, “é irmos lá, interromper a peregrinação”, ou “é fazer este gesto que o Pedro amava tanto, até ao fim”? O que é que o Pedro gostaria mais? “Que nós largássemos tudo e fossemos todos à Encarnação à missa, ou que fiquemos aqui e façamos o que temos de fazer esta noite, o testemunho do Zé Furtado, como o Pedro preparou? E lá estão os peregrinos a fazer, lá em Minde, o gesto desta noite, como o Pedro o preparou, na fidelidade. E este seu gesto é tão sufrágio da alma do Pedro como este nosso. É continuar na fidelidade à sua força de testemunho a construir a Igreja, como ele a queria construir. 

E nós estamos aqui, e estando aqui todos juntos, afirmamos que nada se perde desta vida que termina. O tempo terminou, porque o tempo termina, o tempo é assim, começa e acaba. Mas a eternidade não termina. A eternidade, meus filhos, não é tempo comprido, a eternidade é a intensidade maior da nossa vida para sempre. A gente às vezes pensa que a eternidade é tempo muito comprido, mas não é. A eternidade não tem nada que ver com o tempo. A eternidade é o contrário do tempo. A eternidade é não-tempo. É a intensidade maior que podemos imaginar, a inteligência mais clara das coisas, a felicidade mais ingente, a beleza mais deslumbrante, a satisfação mais completa, a intimidade mais perfeita, a união mais absolutamente – só me vem uma palavra italiana – stravolgente, aquela união que nos transforma. A coisa mais intensa que experimentámos na nossa vida, de cada uma destas coisas, todas juntas, vezes mil, para sempre. Isto é a eternidade. 

E esta experiência, que o Pedro possa viver o amor pela Minhoca, o amor pela Inês, o amor pela Leonor e pela Constança, o amor pelos netos, a amizade com os amigos, e o amor pelos irmãos, e a certeza da fé, e a comunicação da fé, e o desejo de comunicar a verdade e a beleza, e a aventura de construir o Povo, e o seu empenho académico e profissional na vida universitária, e o seu desejo de amar a Igreja, e o seu testemunho de fé, possa viver isto não assim como viveu, em sacrifícios imperfeitos, dia-a-dia, como fazemos todos, umas vezes bem outras vezes mal, mas intensamente, plenamente, totalmente, sem que nada se oponha à plenitude do significado, à inteligência do sentido das coisas, sem que nada embacie a inteligência do sentido das coisas, em que tudo possa ser plenamente vivido, porque tudo é vivido em Deus. Isto é uma coisa maravilhosa que nos aconteceu. Temos que o dizer, honradamente, olhando uns para os outros. A coisa maravilhosa que lhe aconteceu a ele, morrer assim nos braços de Nossa Senhora a caminho de Fátima. A coisa maravilhosa que nos aconteceu a nós, que este nosso grande amigo nos deixa nestas circunstâncias em que não há matéria para dúvidas. Deus veio buscá-lo e levou-o para junto de si, para que nós todos tenhamos consciência que a vida é de Deus, e é para Deus que a gente anda na vida.

Ouvimos ler na leitura – que a Inês leu com tanta beleza e com tanta seriedade – «Nós estamos sempre cheios de confiança, sabendo que, enquanto habitarmos neste corpo estamos exilados». Nós dizemos isto – no outro dia ouvi um Padre, um Padre muito meu amigo, a rezar a Salve Rainha e no fim perguntei-lhe, “como é que tu dizes a Salve Rainha?”. Ele lá disse outra vez... E dizia os “degradados filhos de Eva”; e eu disse-lhe, “ó rapaz não é degradados, isso também somos, mas não é isso que dizemos; dizemos degredados, degredo, exílio.” Nós somos estes degredados filhos de Eva; estamos fora da nossa terra, estamos num país estrangeiro, a nossa pátria é o céu, não temos pátria neste mundo. E vivemos aqui, vamo-nos instalando, como se esta fosse a nossa casa. Como se as coisas deste mundo, como se o dinheiro, a profissão, a carreira, o prestígio, o poder, o prazer, como se estas coisas fossem as coisas verdadeiras. Mas é preciso pedir a inteligência do sentido das coisas. A inteligência do sentido das coisas é que estamos exilados neste mundo. Vivemos como exilados, longe do Senhor, caminhando à luz da fé, não da visão clara. Caminhamos à luz da fé, mas o Pedro agora caminha à luz da visão clara. Vê a Deus face a face. Há alguma coisa melhor do que ver Deus face a face? 

Peçamos ao Senhor que nos dê fé. Peçamo-la para mim, antes de mais nada, que lá por saber dizer estas coisas bem ditas não estou garantido da incredulidade e da hesitação. Pedimos ao Senhor que confirme a fé de quem proclama a fé; de que a aprofunde. Pedimos ao Senhor que dê fé à Minhoca, à Inês, ao Gonçalo e aos irmãos do Pedro, para não nos determos na dor, ou no escândalo da dor; para não nos determos na incompreensão; para não nos determos na ininteligência do sentido das coisas, mas para procurarmos verdadeiramente, iluminados pela fé, o segredo desta hora, que é uma hora de graça e de glória, uma hora de dom e de misericórdia, uma hora de salvação para o Pedro e de salvação para todos nós.

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