Para aprenderes

MIGUEL ESTEVES CARDOSO 
PÚBLICO 17/10/2016

Cada vez que tenho de arrumar os meus cadernos de apontamentos abro uns ao calhas para ver se me lembro de onde estive e do que pensava.
Reparo que, por muito que mudem os lugares visitados e os tempos em que os visitei, o tom é quase sempre de desilusão e de enfado. A ideia dos sítios e das experiências antes de conhecê-los e vivê-las é infalivelmente superior à realidade que encontro e sinto.
Quanto mais novo, mais andarilho era. Se estivesse uma semana numa cidade almoçava e jantava em 14 restaurantes diferentes. Era muito raro não me sentir frustrado e roubado, tanto no tempo como nas expectativas.
Só mais tarde aprendi que é melhor almoçar e jantar 14 vezes no mesmo restaurante afadigado e cheio de gente. Mesmo que se coma mal as primeiras três vezes, vai-se comendo bem a partir da quarta. Nos últimos dias é-se tratado como se fizéssemos parte da família.
Por outras palavras: é uma autêntica estupidez a quantidade de coisas que fazemos para não morrermos estúpidos. Provar uma andouillette não só é repugnante como é uma oportunidade perdida de comer uma coisa de já se sabe que se gosta.
A estupidez de “para não morrer estúpido” como justificação para experimentar qualquer coisa que não nos apetece é exposta caso imaginemos, na lápide tumular de quem tenha experimentado tudo que há no mundo uma só vez: “Morreu inteligente”. Sofreu muito, sim - e não conheceu a alegria de perseguir e repetir os gostos e os prazeres da vida dele. Mas nada lhe escapou ao conhecimento. 

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