Portas para onde?

José António Saraiva, | SOL | 04/01/2016

Não vou especular sobre os motivos que levaram Paulo Portas a decidir deixar a liderança do CDS.
Nestas decisões há sempre um cocktail de razões – umas de natureza política, outras de natureza pessoal.
Às vezes, nem o próprio as sabe determinar com precisão.
Também não vou falar dos sucessores, pois isso dará pano para outras crónicas.
É cedo para falar do assunto.
O lugar de Portas ainda não está vazio – e quem avançar primeiro pode pagar a fatura.
Nesta crónica vou falar do futuro de Paulo Portas.
O que poderá fazer Portas daqui para a frente, tendo em conta que ainda é muito novo (53 anos) para se reformar?
Vejo três hipóteses.
A primeira é uma carreira na iniciativa privada.
Portas teve a seu cargo a diplomacia económica, conhece hoje relativamente bem a área empresarial e os meandros da internacionalização, portanto seria um elemento precioso como consultor ou administrador numa grande empresa.
Mas não são muitos os políticos que seguiram para o setor privado: lembro-me de Fernando Nogueira, Joaquim Ferreira do Amaral, Dias Loureiro, Jorge Coelho e Pires de Lima. Mas Pires de Lima vinha de lá e Coelho não aqueceu muito o lugar.
Além disso, julgo que Portas não se sentiria satisfeito nessa pele.
A segunda hipótese é uma carreira de comentador.
Aqui há muitos exemplos.
Os políticos na reserva ou no desemprego tornam-se comentadores.
Não há só o caso emblemático de Marcelo Rebelo de Sousa – há Pedro Santana Lopes, António Vitorino, Marques Mendes, Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix, outra vez Jorge Coelho, etc.
Mas também não creio que Portas se realizasse agora neste papel.
Entre outras coisas, seria andar de cavalo para burro: antes de ser político, Paulo Portas – recorde-se – era jornalista e comentador político.
A terceira hipótese é uma carreira internacional.
Aqui, há menos exemplos mas mais relevantes: Durão Barroso e António Guterres.
E o facto de, como líder partidário e ministro dos Negócios Estrangeiros, Portas ter estabelecido múltiplos contactos internacionais, pode facilitar esse objetivo.
Julgo que, para Paulo Portas, seria a melhor opção.
Tem um perfil cosmopolita, gosta da novidade, e o desempenho de um cargo internacional, onde poderá ter bastante sucesso – dadas as suas inegáveis qualidades de inteligência, capacidade de comunicação e liderança –, permitir-lhe-ia regressar a Portugal mais tarde com um estatuto superior, que o recomendasse para a Presidência da República.
A morte saiu à rua
A maior parte das reações à morte do homem de 29 anos que faleceu há 15 dias no Hospital de S. José, vítima de um derrame cerebral, foi deplorável.
Resumidamente, acusou-se o ex-ministro Paulo Macedo de, com os cortes feitos na Saúde, ter contribuído decisivamente para essa morte.
Ora é sempre deplorável, em primeiro lugar, aproveitar a morte de uma pessoa para fazer propaganda (ou contrapropaganda) política.
Em segundo lugar, a atribuição de culpas ao ministro da Saúde anterior serviu para esconder as responsabilidades dos que lidaram diretamente com o caso.
Vamos ao primeiro ponto.
Antes ainda de Paulo Macedo tomar posse há quatro anos como responsável pela Saúde, escrevi um artigo onde dizia que se tornava indispensável fazer grandes cortes  naquela área, onde havia  muito desperdício, mas duvidei que alguém tivesse coragem para isso.
Porque quem tomasse a iniciativa de cortar na Saúde corria sempre o seriíssimo risco de vir a ser responsabilizado por mortes que viessem a ocorrer nos hospitais ou fora deles – dizendo-se que não tinham sido feitos os exames necessários, ou que não havia meios técnicos disponíveis, ou que não havia medicamentos, ou que não existiam meios humanos.
Paulo Macedo teve a coragem de enfrentar este risco – e cortou  mil e quinhentos milhões no Orçamento da Saúde sem que houvesse variações notórias na qualidade dos serviços prestados aos doentes.
Claro que mortes nos hospitais sempre houve, por isto ou por aquilo.
Mas nunca se responsabilizou o ex-ministro por uma morte; esta foi a primeira vez.
Passemos agora ao caso concreto.
Quando o doente de 29 anos, com derrame cerebral diagnosticado em Santarém, entrou no Hospital de S. José, parece que não havia ali uma equipa médica para fazer a cirurgia que se impunha. Não havia nem houve nos dois dias seguintes.
Mas então por que se mandou o doente para aquele hospital? – é a pergunta de algibeira que ninguém fez.
E a seguir: por que é que os responsáveis do Hospital de S. José não recorreram aos serviços de outra unidade de saúde, designadamente privada, como poderiam ter feito?
Será esta a pergunta fatal.
Para lhe dar resposta, convém saber que existia um litígio entre o ministro Paulo Macedo e os enfermeiros, a propósito do pagamento de horas extraordinárias (que teriam sofrido um corte de 50%).
E que, para pressionar o ministro a ceder, o Hospital de S. José (e o de Santa Maria) teriam decidido não pedir reforços ao fim-de-semana a outros hospitais.
Ora, a ser verdade, isto seria gravíssimo.
Prefiro, pois, pensar que os médicos que observaram o doente acharam que o caso não era urgente e que poderia aguardar até segunda-feira.
Consideraram que a situação não era crítica.
Mas, se assim foi, houve uma má avaliação da situação clínica do doente.
E essa má avaliação, conjugada com a ‘greve de zelo’, esteve na origem da morte.
Atirar as culpas para os cortes de Paulo Macedo é querer sacudir a água do capote.
Mas o atual Governo também não geriu bem este caso.
Perante a tragédia, o novo ministro apressou-se a anunciar que iria repor os cortes nas horas extraordinárias dos enfermeiros.
Agiu de forma ‘popular’ – entregando a vitória nesta batalha aos contestatários.
Dito doutro modo, o crime compensou.
E abriu-se um precedente: a partir de agora, os profissionais de saúde sabem que pressionando o ministro obterão o que pretendem.
Numa área fulcral para cumprir o Orçamento, o novo ministro deu um sinal errado.
Onde Paulo Macedo dizia: ‘Pode fazer-se melhor com menos recursos’, Adalberto Campos Fernandes diz: ‘Exijam mais dinheiro ou mais recursos, que eu cedo’.
E o problema é mais grave se se pensar que isto não vai circunscrever-se à Saúde.
Em todas as áreas da governação os ministros vão querer gastar mais dinheiro.
Preparemo-nos.

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