Boas-Festas em Dia de Reis, com pintor e poeta nacionais, além de Oscar Wilde

Maria Emília Costa André | 2016.01.06

Queridos Amigos,

A tela escolhida para o Dia de Reis de 2016 é uma obra-prima da pintura portuguesa, datada de 1828 e da autoria do Mestre Domingos Sequeira (1768-1837). Esta lindíssima "Adoração dos Magos" está em fase de compra pelo Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) a um privado, através de crowdfunding, como se explica na nota-de-rodapé, indicando-se, por exemplo, a forma de nos tornarmos mecenas(1) para benefício próprio e do país, bastando um contributo simbólico.

Com notável originalidade, nesta composição não há gruta nem qualquer outra estrutura a enquadrar o conjunto. Apenas na periferia assomam algumas construções, que se adivinham longínquas. Toda a cena é, sobretudo, sustentada por uma luz intensa e radiosa, conseguindo a proeza de impregnar o ambiente de espiritualidade sem resvalar para o etéreo, o que desvirtuaria a mensagem daquele Menino. De facto, nada mais concreto do que a materialidade das palhinhas de Belém, q.b. desconfortáveis para a lógica humana. Na tela, a abóbada celeste revela-se um tecto muito acolhedor, embora totalmente aberto e até exposto a um horizonte de liberdade infinita, conforme clama a alma humana. 

O momento do encontro com os Magos decorre, assim, à luz das estrelas, que se encarregam de iluminar a noite com um clarão festivo e, simultaneamente, aconchegante. Não se sente a falta de um abrigo, havendo antes um misto de simplicidade extrema e de redução ao essencial. Resulta, assim, numa expressão lapidar daquela pobreza feita de desapego e liberdade, mas não de insuficiências, por estranho que isso soe à nossa época, perita em inventar novas "necessidades" e, de seguida, exigi-las como condição de felicidade.

Atrás dos Reis vindos do Oriente, uma multidão forma um círculo em redor do Pequenino para onde converge o feixe da luz estelar. Misteriosa noite aquela em que anciãos veneráveis prestam homenagem a um Recém-Nascido desconhecido dos homens, mas não das estrelas. Insólito ver Reis prostrados diante de um anónimo de origem humilde, cobrindo-o de presentes dignos de rei. Quem é quem, afinal?

Os tons calorosos da "Adoração" envolvem-nos no ambiente indizível daquela festa pacífica e invulgar (para dizer o menos), oferecendo-nos um lugar de máxima visibilidade para as figuras principais, com os pais do Pequenino a apresentar-nos o filho, em igualdade de circunstâncias com os Magos. Uma obra maior, que nos contagia com a paz profunda e harmoniosa que irradia daquele primeiro (o histórico!) Dia de Reis, imortalizado na pintura do Mestre Sequeira.

Aplica-se ao quadro a atitude de vida desintoxicante, recomendada por José Gomes Ferreira (1900-1985):
«É proibida a entrada a quem não andar espantado de existir» 
                              (in "As aventuras de João sem medo")

Por sua vez, o desafio do poeta português evoca uma consideração de Oscar Wilde (1854-1900) sobre o caminho para ser feliz, num aforismo aparentemente menos provocatório do que o habitual, no escritor irlandês:
«Nada amadurece como a felicidade

Convenhamos: não soará demasiado banal associar felicidade à capacidade de apreciar o dia-a-dia, em crescendo? Parece uma via de realização irritantemente simples e frágil, a depender em excesso da vontade de nos encantarmos de novo com o (aparentemente) comezinho que é 95% da nossa existência. No fundo, trata-se de gostar da realidade. Onde arranjar tamanha boa vontade, só óbvia nas crianças acabadas de chegar ao mundo? Com desejos por cumprir ou até mesmo falhados, apetecerá ser feliz? Por outro lado: serão as nossas típicas reivindicações realistas e justas? Dúvidas e reservas multiplicam-se.

Não por acaso, foi um amigo do tal Bebé misterioso – o Papa Francisco – que, em Copacabana, pediu aos milhões de jovens, a encher o extenso areal, «a coragem para serem felizes»! Crescer por dentro requer mesmo coragem e boa dose de realismo.
                         
Que as Festas e o Novo Ano sejam vitamínicos, dando-nos ânimo para sermos capazes de mais felicidade, já hoje. Todos ficam a ganhar. Poderíamos pedir melhor para 2016?

BOAS FESTAS
Em. /mea
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(1)   Basta cada português contribuir com 50 cêntimos para o Estado reunir a maquia necessária para garantir que aquela obra de arte continua em solo nacional e de acesso público.  Informação disponível no portal do MNAA


PARA PARTICIPAR NO CROWDFUNDING, em curso até Abril de 2016, consultar: aqui

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