Carta Aberta ao ministro da Educação

Fernando Adão da Fonseca
Observador 2/5/2016

Que liberdade é essa que não entrega às famílias a livre escolha do percurso educativo dos seus filhos e que discrimina as escolas de acordo com o seu proprietário e não opta pela sua qualidade?

Exmo. Senhor Ministro,
Escrevo a V. Exa no momento em que se comemora o 42º aniversário da liberdade em Portugal. Todavia, continuam surpreendentemente por concretizar “a liberdade de apreender e ensinar” e “a proibição do Estado programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”, consignadas nos nº 1 e nº 2 do artigo 43º da Constituição da República Portuguesa. Digo “surpreendentemente” porque, nas várias conversas que temos tido com deputados de diversos partidos políticos representados na Assembleia da República, verificamos todos concordarem com a urgência de concretizar a liberdade na educação, cabendo ao Estado a função de garante da mesma e da qualidade do ensino ministrado.
Esta situação de impasse, parcialmente explicável pelos interesses nem sempre claros que a afectam, assenta num absurdo conjunto de preconceitos de cariz ideológico e reaccionário que nada têm que ver com a realidade que vivemos e que, pelas implicações transversais e geracionais que têm em vários sectores, acabam por pôr em causa a própria capacidade de o nosso País prosperar.
É certo que, 42 anos depois do 25 de Abril, cumpriu-se já o ensejo de democratizar o ensino. Ele é já praticamente universal, embora, em muitos casos, a sua deficiente qualidade deixe muitos jovens sem
capacidade de assumir plenamente a cidadania a que todos têm direito.
Por incrível que pareça, pouco mais mudou desde 1974. A actual organização centralizada e monopolista do sistema educativo português é, em traços gerais, igual à que existia durante a vigência do Estado Novo… e, nas dimensões que dão corpo à liberdade de educação, como a liberdade de escolha da escola, o reforço da autonomia das escolas e dos professores, a dignificação da carreira docente, a autonomia curricular, a descentralização administrativa, etc., houve até alguns retrocessos que contrariam as tendências internacionais no sector da educação e que têm tido como consequência um evidente prejuízo da qualidade que as nossas escolas oferecem aos alunos Portugueses.
Nos discursos oficiais que ontem mesmo deram o mote para as comemorações da revolução, a liberdade foi a palavra-chave que transversalmente atravessou todos os quadrantes e que encheu as intervenções de todas as entidades. Todos apelaram ao reforço e à consolidação da liberdade enquanto grande desígnio nacional que permitirá a Portugal assumir uma existência em qualidade, oferecendo a todos os Portugueses a felicidade que eles merecem.
Mas, Senhor Ministro, numa altura em que nos campos da liberdade de escolha da escola e da carreira docente se preparam alterações que significam um evidente retrocesso na capacidade das famílias poderem escolher o futuro dos seus filhos e de os professores aspirarem a carreiras educativas coerentes e profícuas, nas quais o empenho e o desempenho correm a par, e em que o interesse, a dedicação e o cuidado são premiados com o reconhecimento da comunidade, a questão que queremos deixar-lhe é muito simples: que liberdade? Que liberdade é essa que não permite que se cumpra o preceito Constitucional de entregar às famílias a livre escolha do percurso educativo dos seus filhos? Que liberdade é essa que discrimina as escolas de acordo com o seu proprietário e não de acordo com a qualidade da sua oferta educativa? Que liberdade é essa que impõe um Estado simultaneamente fornecedor do serviço e garante do mesmo? Que liberdade é essa que impede os professores de escolher livremente as estratégias mais adequadas para ensinar os seus alunos e que interfere em todos os pormenores dos processos de ensino e de aprendizagem em desrespeito pela pluralidade dos perfis dos alunos, dos professores e das comunidades nas quais as escolas se inserem? Que liberdade é essa, que impede as escolas de terem uma palavra a dizer no processo de selecção da sua equipa de docentes e na definição das características que essa equipa deve ter para responder cabalmente aos desafios com os quais a escola se debate quotidianamente?
São obviamente questões essenciais num País onde a liberdade tarda em chegar às escolas. Mas são também questões que, como V.Exa. conhece, já foram colocadas e respondidas por vários países em locais diversos deste Mundo no qual vivemos.
E se outros foram capazes de empreender a mudança e de garantir, através das reformas que fizeram a devolução aos seus cidadãos desse direito fundamental de serem livres para escolher, por que razão não poderá Portugal fazer o mesmo?
Sabemos hoje, pelos resultados apresentados pelos países que ousaram transformar a liberdade no pilar
principal dos seus sistemas educativos, que a escola vivida em liberdade é uma escola mais dinâmica e mais significante, resultando sempre numa melhoria dos resultados dos seus alunos e num elevado grau de satisfação por parte das suas comunidades. Também sabemos, porque para tal basta observar o Mundo que nos rodeia, que são esses países aqueles que apresentam uma vitalidade política e económica que contrasta infelizmente com a portuguesa, e que melhor preparados estão para enfrentar os desafios sempre novos que os tempos modernos nos trazem permanentemente.
Chegou a hora, Senhor Ministro, de o Estado Português devolver aos Portugueses o direito de serem livres. De poderem determinar o seu futuro, em consciência e com a responsabilidade que resulta desse direito. Chegou a hora de virar as costas aos complexos de outros tempos e de recriar uma dinâmica transversal a partidos e a ideologias que defenda os interesses de Portugal. Chegou a hora de a liberdade de educação ser transformada na ferramenta que garante um futuro próspero e feliz aos Portugueses.
É esse o repto que lhe queremos enviar, sublinhando a nossa total disponibilidade e total empenho para colaborar com o Ministério da Educação, com o Governo, com as escolas, com os professores, com os alunos e suas famílias e com a generalidade dos Portugueses na realização deste objectivo que fará cumprir Abril e dará sentido à palavra liberdade.
Portugal não pode esperar mais quarenta anos!
Presidente do Fórum para a Liberdade de Educação

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