Contratos de associação: um debate hipócrita

Alexandre Homem Cristo
Observador 16/5/2016

Quem, nestes dias, acompanhou a polémica à volta dos contratos de associação ficou com um retrato muito rigoroso de como se debate a educação em Portugal: a pensar em tudo, excepto nos alunos.

Entre 2014 e 2015, a Fenprof apresentou, na Assembleia da República, dez petições contra os contratos de associação. Não foi uma nem foram duas. Foram dez – e nenhum outro assunto justificou tantas iniciativas suas no parlamento. Ou seja, este tema constitui primeira importância para o sindicato de professores, acima de muitas outras das suas reivindicações. Por ideologia? Por zelo com as contas públicas? Nada disso – por defesa dos seus interesses. Afinal, cada turma de alunos numa escola com contrato de associação é uma turma a menos para um professor numa escola pública do Estado. E 40 mil alunos em contratos de associação representam muitas turmas, muitos horários e muitos professores que não são contratados para as escolas públicas do Estado.
Sim, fala-se muito de custos e de orçamentos, e até Catarina Martins apela à boa gestão das contas públicas contra a duplicação de oferta por privados – mas note-se que esses apelos vêm de quem, se controlasse o orçamento de estado, explodiria as contas públicas. Sim, no PCP fala-se muito contra a concessão de serviço público a privados, mas quando as concessões beneficiam funcionários públicos, como acontece na Saúde com a ADSE, já não há problema. O ponto não é, portanto, financeiro ou ideológico, mas de conveniência. Acreditar que, para a esquerda (Fenprof, PCP e BE), a oposição aos contratos de associação é mais do que uma simples luta por horários e postos de trabalho é não perceber em nome de que interesses se debate a educação em Portugal.
Se é assim à esquerda, à direita vislumbra-se o outro lado do espelho. Sim, muitos colégios privados têm um relacionamento próximo com autarquias, Igreja e partidos políticos (PSD, CDS, PS), o que ajuda a mobilizar apoios e enfrentar as decisões políticas que os prejudicam. Mas, em boa verdade, para os colégios trata-se de uma luta motivada pela sua sobrevivência e pela indignação (justa, diga-se) de quem sente que, de um momento para o outro, o Estado rompe contratos e a confiança que nele se depositou. De qualquer modo, só os ingénuos não perceberão que, em demasiados casos, a apologia da liberdade de escolha não passa da defesa de uma linha de financiamento público.
Atenção que nada disto tem, forçosamente, algo de mal – é normal que os interesses existam e que cada um lute pelos seus. Mas o que sobra neste debate, então, se o que está na mesa é um braço-de-ferro entre interesses conflituantes? Sobra a troca de argumentos em função de conveniências, que cada lado aplica com o propósito de condicionar a opinião pública e a decisão política. Por isso, discute-se o custo por aluno na óptica de como gerar mais poupanças, com cada um dos lados a atirar os seus números. Por isso, discutem-se a Constituição e as alterações recentes à malha legislativa do ensino particular e cooperativo. Por isso, discute-se o papel e a influência da Igreja Católica e de outros lobbies. E, por isso, discutem-se os preconceitos ideológicos, que são óptimos para disfarçar as reais motivações de parte a parte. Mas nada disso realmente importa. O importante é a qualidade das escolas e o bem-estar dos alunos – e isso pouco ou nada se discute. Quem acompanhou nestes dias a polémica à volta dos contratos de associação assistiu a isto. E ficou com um retrato muito rigoroso de como se debate a educação em Portugal: a pensar em tudo, excepto nos alunos.
É duplamente lamentável. De uma perspectiva pessoal – de direita, liberal e convicto do potencial que certos instrumentos de liberdade de escolha têm para a promoção do sucesso escolar e do combate à segregação social no nosso país – observo com particularmente frustração que boas ideias se tornem impossíveis de debater por razões corporativas ou oportunistas. E, consequentemente, que o sistema não evolua e os alunos mais desfavorecidos permaneçam reféns dos interesses que circundam o sector.
Da perspectiva da decisão política agora em causa, é frustrante assistir ao predomínio desses interesses sobre o bem-estar dos alunos. Por isso, retomo o apelo que fiz aqui no Observador e no blog da FFMS. No curto prazo, que se resolva a situação dos contratos de associação com a devida moderação: em caso de duplicação de oferta entre uma escola pública do Estado e um contrato de associação, que se evitem as precipitações e se preserve a escola que melhor responde às necessidades dos alunos – seja esta estatal ou privada. E, no longo prazo, que se procure discutir como introduzir liberdade de escolha no sistema educativo, ao serviço dos alunos, em particular dos alunos mais desfavorecidos e em risco de insucesso escolar. Porque esses precisam mesmo de liberdade para escolher: ao contrário de outros que podem pagar, sem o apoio do Estado esses alunos não poderão optar por uma escola ou projecto educativo que melhor responda às suas necessidades. Estão, por fatalismo da sua condição social, excluídos das oportunidades que outros têm. E essa injustiça tem de acabar.

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