A maldita realidade

Raul Almeida
Sol, 2016.04.22

Olhando com atenção para o mundo atual, há de facto uma assinalável diferença entre ser de esquerda ou ser de direita. Ainda se adensa mais esta diferença quando se fala em ser governado pela esquerda ou pela direita. Curiosamente, a narrativa que nos é impingida dia a dia faz prevalecer a ficção sobre a realidade, a ilusão sobre os factos. Regresso assim sempre à certeza que a realidade, essa maldita, é sem piedade a maior inimiga da esquerda.
Frau Merkel, esse diabo em figura de gente, comanda um país com o salário médio mais alto da Europa, o salário mínimo na casa dos 1.500 euros, um estado social irrepreensível, o desemprego mais baixo da Europa e direitos, liberdades e garantias exemplarmente assegurados a todos os cidadãos. É, de facto, muito mau.
Mr. Cameron, esse tonto perigoso, dá a palavra a torto e a direito aos cidadãos do Reino Unido, convocando-os a serem senhores do seu próprio destino. A par desse exercício extravagante de democracia, tem no país o terceiro salário mínimo mais elevado da Europa, bem acima dos 1.500 euros, o desemprego controlado, a economia a crescer sustentadamente, sendo a segunda mais forte da Europa. Uma estupidez, portanto!
Poderiamos ainda falar da Holanda, do Luxemburgo ou da Irlanda. Poderiamos, a bem da verdade, assumir que em Espanha, Rajoy não conseguiu corrigir todos os erros herdados da governação socialista de Zapatero, mas ainda assim, evitou um resgate que parecia inevitável.
Do lado dos bons, dos que nascem e vivem com a garantia da razão inalienável, encontramos à cabeça a França. A França que, apesar da visionária governação socialista, perde todos os dias importância no quadro das nações, vai encolhendo o estado social, vê os extremismos a reflorescer, o desemprego a subir e a insegurança instalada. Não se compreende!
Olhamos a Grécia, e somos invadidos por um sentido de injustiça, ao ver que a esquerda fez tudo bem e que, por artes malvadas do capitalismo que cerca a superior civilização helénica, tudo corre mal. O desemprego é assustador, o Estado não cumpre, a incerteza reina, a ruptura é um risco sempre presente. A culpa, diz-se, é da União Europeia e da sua estúpida mania de insistir em ter regras.
A acompanhar a Grécia, na acção de política externa mais corajosa de que há memória, aparece o governo socialista de Portugal. Sim, também pode haver coragem na estupidez. Na dúvida, António Costa prefere a companhia de Tsipras, e assina por baixo o manifesto dos iluminados esquerdistas contra os inclementes capitalistas. Coloca Portugal do lado da razão que nasce com aqueles que superiormente pensam à esquerda, razão essa que nunca se cumpre, mas se auto perpetua como um dado adquirido em si mesmo. Porque sim.
O Plano de Esatabilidade que agora apresentamos à União Europeia vai assim carregadinho de superior razão, achando que essa lhe basta. Costa e Centeno garantem que a economia crescerá 1,8% em vez dos 1,1% que os analistas prevêem, atiram a descida do desemprego para datas longinquas, prometem redução da despesa pública enquanto reduzem horários de trabalho, abrem carreiras e se atravessam em respostas irresponsáveis às corporações da CGTP. Pelo caminho, garantem que não mexerão mais na carga fiscal. Ninguém compreende este milagre matemático e, desta vez, Centeno não arranjou Excel que vergasse a tal contorsão numérica. Se vierem avisos ou impedimentos da UE, será seguramente por maldade ideológica, por perseguição às virtudes do socialismo.
Se, continuando neste caminho de virtude, de mãos dadas com a Grécia e vituperando os golpistas que ameaçam a camarada Dilma, acabarmos num novo resgate, teremos o conforto de saber que a esquerda tinha razão. Será outra vez culpa da maldita realidade.

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