Uma espécie de sol

Inês Teotónio Pereira | online | 2016.03.01 |                                      

Na sua última crónica no i, Inês Teotónio Pereira escreve sobre o sol da vida

Uma vez, um dos meus filhos disse que a coisa de que ele mais gostava era de acordar porque me via. Nem mais, foi assim: “Mãe, eu adoro acordar porque vejo a mãe.” Maravilhoso. O que ele queria dizer, do alto dos seus quatro anos, era que a coisa de que ele mais gostava na vida, do dia e de ver era aqui esta vossa amiga. Nada lhe enchia mais a alma que eu. Sou uma espécie de sol, portanto. Claro que, perante isto, uma pessoa nunca mais fica a mesma: fica armada em sol. Entre o peso da responsabilidade e um ego do tamanho do sol, nunca mais nada é como dantes. É bem melhor. Ter filhos é isto mesmo: é ser a pessoa mais importante do mundo para alguém. E só temos a noção disso quando eles nos dizem, quando choram porque vamos ao supermercado e não os levamos ou porque não querem dormir fora, quando suspiram ao mesmo tempo que descansam a cabeça no nosso ombro e porque querem acordar para nos ver. Ter muitos filhos é isto vezes o número de filhos que se tem. Ter poucos filhos é a mesma coisa, pois a quantidade, neste particular paternal, não muda nada, já que aquilo que conta é a qualidade. E a verdade é que, a páginas tantas, uma pessoa até desconfia que é mesmo o sol. São muitos elogios, muitos beijinhos, abracinhos, desenhos, colos, gratuitos e sem razão aparente para uma pessoa só.
Até que olhamos para o lado e percebemos que se passa o mesmo com todos os pais e com todas as mães. Basta ver o que os miúdos escrevem nos dias da Mãe ou do Pai, na escola, para percebermos que somos todos iguais. Somos todos lindos, grandes, fortes, brincamos imenso, damos muitos beijinhos e somos indiscutivelmente os melhores do mundo. Portanto, isto leva-nos a concluir que deve haver alguma coisa que lhes dão antes de eles nascerem para os programar a gostarem sempre dos pais, sejam eles presentes ou ausentes, chatos ou desprendidos, severos ou carinhosos, umas bestas ou as melhores pessoas do mundo (de facto). Ao contrário do que uma pessoa normal (tipo eu) acha quando tem filhos, a adoração que eles têm por nós não é pessoal. É assim mesmo, a natureza fê-los assim e não há mal que possamos fazer para que eles deixem de nos adorar. Até podemos dar peixe com espinhas todos os dias à criançada que continuamos a ser a melhor mãe ou melhor pai do mundo. Eles desculpam-nos tudo. Transformam os nossos defeitos em qualidades e as nossas características em superpoderes. Quem ama é cego, é verdade, mas a criançada exagera no ditado.
Até que eles crescem. E parece que tudo desaparece e que alguém lhes emprestou uns óculos. Os pais menos avisados (tipo eu) acham que o filho adolescente não dar pulos de alegria sempre que nos vê é sinal de que nos trocou pela Rainha dos Dragões da “Guerra dos Tronos”. Uma injustiça, está visto. E é então que os pais amuam, e é então que tudo muda. Daqui até estarmos a ligar a toda a hora para saber se o nosso filho de 40 anos está a alimentar-se bem, se anda cansado ou porque é que não nos visita há um mês é um tirinho. Mas não há motivo para alarme. Se tudo correr com normalidade, os nossos filhos gostarão sempre de nós e mesmo que não estejamos à altura de tanto amor. O que acontece é que há uma altura em que eles deixam de precisar de nós tanto quanto gostaríamos. E isso é que dói. Até porque foram eles que nos ensinaram o que é ser o sol de alguém. Tudo o resto, se sabem ser filhos quando os pais precisam, tem a ver com a bondade e o caráter de cada um e não tanto com o tipo de pais que se tem - sejam eles mais ou menos chatos, mais ou menos carinhosos. O filho que és é o pai que serás, diz o ditado e diz muito bem. A nós, pobres pais de adolescentes e crianças, resta-nos continuar a acreditar que somos o sol; com mais ou menos nuvens à frente, seremos sempre o sol.

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