Porque é que isto vai correr mal

JOÃO MIGUEL TAVARES Público 17/03/2016

Este orçamento continua a ter largas doses de austeridade e é mais desigual do que os orçamentos anteriores.

Ontem foi aprovado o primeiro dos orçamentos de Estado para 2016 – aceitam-se apostas sobre quantos mais orçamentos vão ser necessários até final do ano. António Costa afirmou que o orçamento era “particularmente ambicioso”. Não é verdade. É apenas particularmente irresponsável.
A razão é óbvia: as reposições de salários e pensões e o fim parcial da sobretaxa de IRS aumentam brutalmente a despesa do Estado num tempo de incerteza. A “devolução do rendimento às famílias”, como António Costa gosta de lhe chamar, foi estimada em 1,4 mil milhões de euros, um valor parcialmente compensado pelo aumento dos impostos indirectos. Há aqui um duplo problema. Em primeiro lugar, o governo está a bancar uma despesa certa em nome de uma receita incerta, oriunda de um mirífico crescimento económico impulsionado pelo consumo interno – e isto, note-se, sem desequilibrar a balança comercial, o que a concretizar-se seria um novo milagre de Ourique. Em segundo lugar, o aumento dos impostos indirectos, ao contrário do que sucede com os directos, é uma medida regressiva, que faz aumentar as desigualdades sociais. Ou seja, este orçamento continua a ter largas doses de austeridade, aposta num crescimento no qual ninguém acredita e, ainda por cima, é mais desigual do que os orçamentos anteriores.
Há uma data de aldrabices que vagueiam pelo espaço público e que muitas vezes se engolem sem pensar – incluindo essa enorme treta de que a esquerda é só amor aos pobres e a direita só quer saber dos ricos. O “colossal aumento de impostos” de Vítor Gaspar e dos seus seguidores foi extremamente progressivo no combate à crise. Ao contrário do que por aí se diz, as classes de mais altos rendimentos sofreram debaixo da troika e de Passos Coelho como nunca tinham sofrido antes – quem vai dar dinheiro aos que têm mais é António Costa. O aumento da pobreza em Portugal adveio do grande crescimento do desemprego causado pelo brutal ajustamento, e não devido à incidência de impostos sobre as classes mais baixas.
O PS, pelo contrário, ao optar por carregar nos impostos indirectos para alivar os directos, está a aumentar as desigualdades em vez de diminuí-las. É certo que as classes mais baixas são beneficiadas com o aumento do salário mínimo (enfim: vamos fingir que esse aumento não terá impacto ao nível do emprego), do rendimento social de reinserção e do abono de família. Mas os grandes beneficiados deste orçamento de Estado são as classes média e média-alta, sobretudo os funcionários públicos e os pensionistas – mais de 60% dos 1,4 mil milhões de euros acima referidos vão para a devolução da sobretaxa e para as reposições salariais na função pública. Não há volta a dar: este é o orçamento em que a esquerda compra os votos dos funcionários públicos e dos reformados com o dinheiro de todos os portugueses.
António Costa afirmou que “em todos os momentos decisivos da nossa história fomos capazes de virar a página”, e que “sempre conseguimos articular bem o rigor com a audácia”. Eu não sei que livros de História andou ele a ler, mas valeria a pena indicar os títulos, a bem da historiografia nacional. Se nos livros que tem em casa Portugal é conhecido pelo “rigor” e pela “audácia” na gestão da coisa pública, não admira que Costa olhe para o orçamento e o ache bestial. Num mundo alternativo, este OE2016 é bem capaz de ser incrível. Rigoroso como os orçamentos de António Guterres. E audacioso como os de José Sócrates.

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