Uma derrota pesada e uma vitória de Pirro

José Manuel Fernandes | Observador | 26/5/2014, 0:15
Nunca PS, PSD e CDS tiveram, em conjunto, tão pouco apoio eleitoral. Isso condena-os à aproximação, não à cizânia.
1. O PSD e o CDS sofreram uma derrota pesada ao nem sequer chegarem aos 30%. O PS teve apenas uma vitória de Pirro ao não conseguir sequer alcançar os 32%. A conjugação destes dois resultados é o facto político mais importante destas eleições: em conjunto, os três partidos do arco da governação mal passaram dos 60%. Nunca a soma das suas votações foi tão baixa em quase 40 anos de eleições democráticas. O PCP veio logo dizer que isso significava a derrota dos "partidos da troika". É uma afirmação curiosa vinda de um partido que ontem representou eleitoralmente menos de um quarto do conjunto desses três partidos, mas é também uma afirmação que não deixa de chamar a atenção para o crescente desgaste dos partidos centrais do nosso sistema político
2. Não há em Portugal partidos populistas como os que revolucionaram as paisagens eleitorais em países como o Reino Unido ou a Itália, nem forças extremistas como a Frente Nacional francesa. Mas o crescimento da CDU e o aparecimento desse furacão que dá pelo nome de Marinho e Pinto mostraram que não somos assim tão diferentes dos outros. O voto de protesto expressou-se através do reforço da força política que mais consistentemente fez oposição na rua, nos locais de trabalho e no Parlamento nos últimos anos e através do voto num candidato que vem de fora do sistema, que quase só falou de corrupção e que na verdade nem apresentou um programa político digno desse nome. Com tempo, alguma cobertura mediática e com acesso a alguns debates televisivos, Marinho e Pinto pode transformar-se no nosso Beppe Grillo. A sério: há eleitorado e há verve populista, há carisma, há sobretudo um terreno fértil para quem nele semeie um discurso à margem dos partidos tradicionais, porventura contra os partidos tradicionais.
3. Em 2004, enfrentando um governo que aplicara tímidas medidas de austeridade, o PS conseguiu 46% nas europeias. Agora ficou-se pelos 32%. Há quem ache que isso é por causa de Seguro. Não é verdade. Na altura dos 46% o líder do PS também era fraco, era um Ferro Rodrigues atormentado pelo caso Casa Pia. Seguro talvez pudesse ter feito melhor, mas a principal razão porque o PS se ficou pelos 32% deve-se à percepção de que, se fosse governo, não faria assim tão diferente. Porque no passado não fez realmente diferente, apesar de todas as juras em contrário. E o que fez de diferente – gastar muito dinheiro – é algo que hoje já não atrai os eleitores. O resultado do PS é uma espécie de antecâmara de um destino que parece escrito nas estrelas: daqui por um ano, ano e meio, quando elegermos a próxima Assembleia da República, vamos muito provavelmente ter de ir para uma solução de Bloco Central. O PS sozinho não vai lá, à sua esquerda não tem em quem se apoiar (o LIVRE foi um flop, como se antevia), e terá de encontrar outros apoios. Até porque os tempos continuarão a não ser fáceis.
4. Isto significa que o caminho está a ficar mais estreito. O apoio popular aos partidos de governo – os partidos do "pacto orçamental" – está a minguar e, se estes forem obrigados a coligar-se, deixarão de fora todas as oposições. Oposições que serão sempre endiabradas e capazes de ganharem com facilidade apoio eleitoral. Tradicionalmente a tentação dos políticos, nestes momentos, é encostarem-se aos populistas. Ou, em alternativa, fazerem de conta que eles não existem. São duas vias diferentes de chegar ao mesmo desastre: a derrota eleitoral a prazo.
5. É por tudo isto que a derrota dolorosa dos partidos da maioria não abre as portas a qualquer dissolução do Parlamento e convocação de eleições antecipadas. Não se brinca com coisas sérias, e o PS é o hoje o primeiro a ter disso absoluta consciência. O Presidente deve estar a pensar no mesmo.

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