Poupar os jovens à seca da política

Inês Teotónio Pereira
ionline 2014.05.10
O big brother é um programa de televisão e os futebolistas e os treinadores de futebol são as novas referências ideológicas da estratégia e da táctica
Em minha casa só há uma televisão, o que faz com que o comando seja o bem mais valioso da sala. Quem tem o comando tem o poder de escolher entre as dezenas de canais que existem e, sendo a diversidade enorme, a guerra é sangrenta. Entre a programação infantil, juvenil, noticiosa, desportiva ou cultural, não há quem se entenda. Se um quer uma coisa, os outros todos ficam amuados e gramam a seca que o mais poderoso escolheu. É assim todos os dias. Só os pais têm o poder absoluto sobre o comando mas, ainda assim, cedemos vezes demais: as vozes histéricas dos canais infantis são as vozes que mais se ouvem na televisão de minha casa, assim como as transmissões de jogos de futebol. O horário nobre é infantil ou desportivo.
Em minha casa, as crianças não vêem notícias, têm medo das fúrias de Constança Cunha e Sá e de Miguel Sousa Tavares, e só dão conta de que há eleições quando percebem que, nesse dia, o comando é mesmo dos pais. Nesses dias retiram-se com ligeireza da sala e abraçam, apaixonados, a play station.
Resultado: os meus filhos não querem saber de política. Contudo, acham que sabem muito porque sabem o nome de meia dúzia de governantes e de políticos. Não os ouvem, não percebem o que eles dizem e também não querem saber. Nós, os pais, também não falamos do assunto; falamos com eles dos assuntos deles e a política não entra nessa lista.
Os meus filhos acham que o futuro deles, a vida deles, não depende da política. Nem lhes passa pela cabeça que a política tenha alguma coisa a ver com o futuro deles, com a vida deles. Os pais, a escola, as notas, sim; os políticos, os partidos, nem pensar. Já lhes chega terem de estudar a Grécia Antiga e os primórdios da democracia. Acham que a consciência política e a participação política do país estão bem entregues aos adultos e que não é nada com eles. Não é só desinteresse, é fobia: a política é qualquer coisa que lhes veda o acesso aos canais desportivos ou infantis.
Os nossos adultos de amanhã estão a ser educados a ver a política como um historiador vê física quântica: não é nada comigo e, ainda por cima, é indecifrável. Os nossos filhos sabem da existência da troika, mas não sabem o que significa a existência da troika. Sabem que vivemos em democracia, mas não sabem o que é um Estado de direito. Sabem o que são eleições, mas confundem o sistema eleitoral com o sistema de votações de um qualquer programa de talentos. O big brother é um programa de televisão e os futebolistas e os treinadores de futebol são as novas referências ideológicas da estratégia e da táctica.
E porque é que é assim? Espero que existam várias teses de mestrado sobre este assunto mas, ainda assim, arrisco uma possível explicação: nós, pais, estamos programados para poupar os nossos filhos a chatices. Para chatices, já existe a escola e os meninos precisam de descontrair e de se entreter quando chegam a casa. Nós, pais, achamos que a política é uma chatice - tenho amigos que consideram conversas políticas, conversas intelectuais; que acham que falar sobre a reforma do Estado ou sobre a revisão da Constituição é uma excentricidade que não se desenvolve à mesa de um restaurante. E como a política é a nossa chatice, nem queremos imaginar os efeitos nefrálgicos que ela poderá provocar nos nossos filhos. Até porque é tudo relativo e a consciência política de cada um deles - se a quiserem ter - deverá ser formada com o tempo e pela vida. Nós não temos nada a ver com isso.
Os nossos filhos devem ser protegidos. E protegê-los é também afastá-los das maleficências da política. Nós estamos convictos de que a democracia é um bem tão garantido quanto o oxigénio, mas ainda assim preferimos ajudá-los a participar nas campanhas do ponto verde do que explicar-lhes os fundamentos da União Europeia ou a crise da Ucrânia. Poupar os nossos filhos a chatices nem sequer é não os levar a comícios, a campanhas eleitorais, a debates ou a conferências. É dar-lhes o comando no minuto em que começam as notícias. É dois em um: poupamos chatices a eles e a nós.
Trinta e três por cento dos jovens dos 18 aos 25 anos votaram nas eleições europeias de 2004, 29% votaram nas mesmas eleições em 2009 e apenas 24% dos jovens portugueses anunciaram que vão votar daqui a 15 dias. O que me surpreende não são os mais de 75% que ficam em casa, mas sim os restantes, que remam contra a maré e vão votar.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António