O fascínio das redes

DN 2012-12-17
JOÃO CÉSAR DAS NEVES

Ultimamente, surgiu no nosso debate político-cultural um novo protagonista: as redes sociais. Com frequência se ouve citar o que elas pensam sobre pessoas e assuntos. Em geral, pensam mal. É interessante debruçar-nos sobre a razão da sua influência e credibilidade.
Grande parte do prestígio vem sem dúvida da novidade e fascínio tecnológico. Facebook e afins são criações recentes e brilhantes que, como todas, prometem mudar o mundo. Depois o mundo acaba muito parecido ao que era, e os mesmos que apregoaram a revolução vêm repetir desanimados que anda tudo sempre na mesma. A verdade é que o avanço nem foi drástico nem vácuo. As coisas vão melhorando e o progresso é uma evidência, embora o essencial permaneça.
Mas a especial reverência que por isso se concede à opinião das redes sociais não faz sentido. O meio tecnológico pode ser sofisticado, mas quem o usa é o mesmo tipo que era antes. A qualidade da análise e a profundidade das considerações não melhoram por se passar do pombo-correio ao telégrafo ou do telefone à Internet. Aliás, a haver algum movimento, é negativo, pois quando a comunicação era cara e difícil as pessoas tinham mais cuidado com o que diziam. Naturalmente a baixa do custo da informação beneficiou sobretudo o disparate, de menor produtividade.
Outra razão porque se admira as redes sociais é, alegadamente, por através delas falar directamente a voz do povo. Nos jornais e televisões temos a opinião de políticos, intelectuais, jornalistas e comentadores, mas nas redes é a própria população que se exprime. Esta é uma ânsia de milénios, com democracias e ditaduras procurando saber o que realmente sente a opinião pública. Os métodos utilizados para chegar a esse desiderato foram múltiplos, mas temos de dizer que este é um dos mais fracos. Primeiro porque, precisamente devido à sofisticação tecnológica, não se pode dizer que as redes sociais sejam um instrumento privilegiado dos pobres. Pelo contrário, é uma actividade típica de ociosos tecnicamente refinados, porque as pessoas ocupadas andam envolvidas na verdadeira vida social e os cidadãos comuns, mesmo quando os usam, não sabem explorar as possibilidades desses programas, ficando-se pelo trivial.
Talvez o aspecto mais curioso seja o fascínio que tantos sentem pelo poder desses mecanismos, invocando como prova definitiva as manifestações espontâneas promovidas através das novas tecnologias. Cada vez que surge um evento, das reacções ao atentado de 11 de Março de 2004 em Espanha aos recentes protestos de 15 de Setembro por cá, há quem venha garantir que tais fenómenos mostram um novo poder. Apesar de serem coisas que, para não recuarmos mais, Marat e Desmoulins conseguiam sem dificuldade usando os velhinhos panfletos da Revolução Francesa. A técnica melhora, mas o essencial permanece.
A última machadada no mito das redes sociais vem do facto de elas só conseguirem realmente marcar a actualidade quando jornais, rádios e televisões lhes dão destaque, o que aliás acontece muito menos do que a jornalistas e comentadores. Deste modo, elas estão na mesma posição que todos os outros. Pior ainda, como se pode determinar o que pensa uma rede? Se elas fossem realmente a voz do povo, então comunicariam uma cacafonia de miríades de opiniões. E é precisamente isso que se verifica. Deste modo, quando a comunicação social fala da "opinião das redes sociais", está realmente a criar uma ficção, confundindo uma parte com o todo. Pior ainda: como ninguém dá a cara pelo que é dito, no parecer anónimo domina a irresponsabilidade e a atoarda. Não admira que nunca se ouça as supostas redes sociais dizerem coisas ponderadas, serenas, construtivas.
As redes sociais são um instrumento maravilhoso. Passadas as tolices inevitáveis da euforia inicial, serão tão úteis como o correio, o telefone, a imprensa ou os clubes. No entanto, para isso é preciso que vigore nelas o mesmo critério de verdade e bem da vida comum. Uma opinião não é atendível por ser tecnológica, mediática ou popular, mas justa e válida.

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