Não matarás

Miguel Esteves Cardoso
Público, 15/12/2012

Escrevo a chorar os mortos em Newtown. Obama também se comoveu e disse que sentiu o que sentiam todos os pais. Entre as coisas que perderam as crianças massacradas foi o "terem filhos". Não é preciso ser-se pai ou mãe para ficar transtornado. "Hoje à noite eu e a Michelle vamos fazer o que fazem todos os pais da América: agarrarmo-nos aos nossos filhos", disse ele.
Estava a ser sincero mas esta ideia que só quem tem filhos é que pode perceber a agonia de ver crianças assassinadas é um erro profundo. Até as crianças compreendem o horror, para não falar em todas as pessoas que não têm filhos, que são mais do que muitas. Este "paisismo", este reproducionismo que privilegia o ser pai ou mãe, explica-se pelo egoísmo: só quem tem filhos é que pode imaginar perdê-los e, por conseguinte, agradecer a sorte de não os ter perdido.
Foi um filho de 20 anos, de nome Adam, que matou primeiro o pai, depois a mãe, 20 crianças (filhos de outros pais) e mais 6 adultos (possíveis pais de outros filhos).
Houve também a ideia, horrível e economicista, que foi pior matar crianças pequenas do que adultos, porque as crianças tinham mais anos para viver e, sendo mais novas, eram mais inocentes.
Estas comparações são compreensíveis mas não são aceitáveis. Os assassinos, psicopatas ou profissionais, que se orgulham de não matar crianças são como os violadores que se orgulham de não ser pedófilos. O assassino não tinha filhos. Mas tinha pais, como todos temos.

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