Fábrica de imagens

    Por Helena Matos

    Público, 20100603

    O exército israelita caiu na ratoeira. Não por ter actuado, mas por ter actuado de forma tão desastrada

    Quando a Frota da Liberdade se fez ao mar com destino a Gaza carregada de activistas e de ajuda humanitária era evidente que, não se vivendo em Gaza nenhuma situação de catástrofe, a dita frota partia em busca de um caso que lhes permitisse trazer o que definem como causa palestiniana para os noticiários.

    E tinham boas razões para o tentar: a Intifada teminara; a contestação ao muro que isola a Faixa de Gaza tornou-se um caso encerrado não só porque se tornou evidente (e não por boas razões) que países como a Espanha mantêm muros bem mais intransponíveis em Ceuta e Melilla como sobretudo porque a diminuição drástica do número de atentados suicidas em Israel após a construção do muro terá levado a opinião pública a concluir que a tão contestada edificação tem poupado vidas aos israelitas e aos palestinianos.

    Por outro lado, as investigações feitas posteriormente a imagens divulgadas pelos que se dizem defensores da causa palestiniana suscitam cada vez mais dúvidas sobre o que nos é apresentado como um massacre. Em 2006 a falsificação de imagens pelo Hezbollah na guerra do Líbano foi tão grosseira que o termo Pallywood passou a designar aquelas bonecas, vestidos de noiva e crianças enfaixadas espalhados pelo Hezbollah como adereços pelos locais dos combates. Mas muito mais grave que a manipulação destas imagens foi o problema gerado em Setembro de 2000, na sequência da transmissão pela France 2 duma reportagem que, segundo aquela cadeia de televisão, mostrava um rapaz de 12 anos, Mohammed al-Dura, agonizando nos braços do pai. O mundo ficou chocado com a forma de actuar do exército israelita e em Gaza começou a segunda intifada. Investigações posteriores mostraram que nada é o que parece naquela reportagem e por isso não mais se falou de Mohammed al-Dura. Remetida para o esquecimento foi também a menina cuja família foi morta em 2006 numa praia de Gaza. Enquanto os responsáveis pela morte da família de Huda Ghalia pareciam ser israelitas a comoção mundial foi enorme. Quando se percebeu que foi um rocket palestiniano o responsável por aqueles mortos não mais se falou do sucedido naquele dia, desfizeram-se os cordões humanos e os manifestantes arrumaram a indignação junto às bandeiras de Israel grafitadas com suásticas (uma vez na vida podiam colocar-lhe uma foice e um martelo porque no que respeita aos judeus Hitler e Estaline estavam de acordo).

    Podia continuar indefinidamente dando exemplos da fábrica de imagens de que se alimentam os autodenominados defensores da causa palestiniana (e escrevo autodenominados porque na verdade o que estes activistas têm feito é contribuir para que os palestinianos não tenham nem o estado a que têm direito nem uma vida normal). Esta fábrica de imagens é fundamental como forma de justificar, no Ocidente, o ódio a Israel e sobretudo para manter em estado de fúria a rua islâmica e os palestinianos na eterna condição de tutelados dos movimentos radicais e dos seus glamorosos amigos da Europa e dos EUA.

    O exército israelita tem cometido certamente abusos e os políticos israelitas como os de qualquer democracia enganam-se. Como aconteceu quando estiveram à beira do desastre na guerra do Yom Kippur em 1973 ou quando apostam numa política de colonatos que torna inviáveis umas fronteiras dignas desse nome num futuro estado palestiniano. Do que também não tenho dúvidas é de que Israel é uma democracia que tem como inimigos regimes que fazem do ódio a Israel boa parte da sua demagogia de massas, promovem grupos terroristas e vivem na ânsia duma nova intifada. (A propósito, quem paga os barcos desta frota?) E também não duvido que qualquer país europeu tomaria medidas muito mais drásticas do que Israel caso visse a sua existência posta em causa como acontece com os israelitas. Recordo que a Espanha, no ano de 2002, mobilizou a Armada, a Aviação, o Exército de Terra e a Guarda Civil para desalojar os seis guardas marroquinos que se tinham instalado, por ordens do governo de Marrocos, em Perejil, uma ilhota minúscula cuja soberania a Espanha disputa com Marrocos. Ou experimentasse navegar a dita frota para o Líbano, onde os palestinianos conhecem situações bem mais difíceis do que em Gaza. Ou para o terminal de Rafah, em Gaza, mas que ao contrário da restante costa é controlado pelo Egipto, que por sinal o mantém quase sempre encerrado.

    O que aconteceu esta semana foi a criação de um facto em que a Turquia ao apoiar a dita frota assumiu um papel que tem de ser avaliado e em que os activistas transferiram para o mar o local de filmagens da produção de mártires que tanta abertura de noticiário lhes rendeu em terra firme. O exército israelita caiu na ratoeira. Não por ter actuado, pois qualquer outro país teria feito o mesmo em idênticas circunstâncias, mas sim por ter actuado de forma tão desastrada colocando em risco de vida os seus soldados, provocando a morte a várias pessoas e subestimando que muito mais importante do que aquilo que os activistas levavam a bordo era o que eles procuravam trazer: imagens. Conseguiram-no. Ensaísta

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