E agora nós?
Público 2010.06.10 Helena Matos
Com José Sócrates a realidade não existe. Existe sim uma atitude valorativa sobre o que supostamente se está a fazer
O país vive uma situação de impasse político. Há um sentimento de fim de ciclo. Simplesmente tudo indica que desta vez a solução não nos vai cair do céu como anteriormente sucedeu.
Durante o século XX os militares resolveram-nos estes bloqueios: 5 de Outubro de 1910, 28 de Maio de 1926, 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975 não correspondem, como gostamos de pensar, a momentos de viragem na sequência dos protestos inflamados do povo português. Estas datas são sim ocasiões em que os militares, com maior ou menor articulação com líderes civis, organizaram com sucesso golpes que instituíram novas situações políticas às quais os portugueses aderiram com desigual entusiasmo mas invariavelmente com uma sensação de alívio por alguém ter resolvido uma situação que politicamente parecia agonizante. Arrumados os militares nos quartéis após o 25 de Novembro de 1975, transferimos para a então CEE essa responsabilidade de fazer de nós aquilo que achamos que devemos ser.
Talvez por vivermos à beira do oceano, paramos no momento de dar o passo decisivo, mas se alguém o der por nós e mostrar que temos pé então corremos entusiasmados e logo identificados com a nova situação. A última vez que isto sucedeu foi aquando da queda do governo de Santana Lopes, que nenhum português sabe explicar ao certo porque foi afastado por Jorge Sampaio. Neste momento quase que se implora que Cavaco Silva faça o mesmo a Sócrates, e admitindo os produtores de tal clamor que Cavaco não o faça já, para não comprometer a sua eleição, determinaram que tal terá de ocorrer em 2011, numa espécie de crónica duma morte anunciada da liderança de José Sócrates. Não só não me parece que Sócrates se deixe assim neutralizar, quiçá comovido com a gentileza do pré-aviso, como tal não é saudável para a democracia.
O Governo tem legitimidade democrática. Foi eleito e nem sequer por tão poucos votos quanto isso: mais de dois milhões de portugueses, em Setembro de 2009, escolheram Sócrates para primeiro-ministro. Entre outras razões porque preferem que à frente do Governo esteja alguém que não só não lhes diz que vai fechar escolas porque não há dinheiro para as manter abertas mas sobretudo que apresente esse encerramento, muito questionável pedagogicamente para turmas com 20 alunos, não só como uma decisão que visa" combater o insucesso escolar" mas ainda como algo que seria "criminoso" não fazer. Com José Sócrates a realidade não existe. Existe sim uma atitude valorativa sobre o que supostamente se está a fazer. Por isso não se estão a fechar escolas mas sim a combater o insucesso escolar. E as leis, entendendo por leis a catadupa de decretos mal-amanhados que ninguém sabe o que determinam nem quando entram em vigor - e o que não se sabe ou se vai sabendo entre declarações contraditórias e sucessivas tanto pode versar as retenções do IRS como o sistema de passagem do 8.º para o 10.º ano -, não são corrigidas. Estão sim a ser aperfeiçoadas, entendendo-se logo, à partida, que se trata duma progressão na escala da perfeição e não da correcção de disparates rotundos. Enfim, mais de dois milhões de portugueses gostaram deste homem para quem a mentira se chama inverdade.
Agora que um factor externo, a crise, nos impõe não uma mudança de situação política, como aconteceu no passado, mas sim que enfrentemos a realidade, Sócrates, o homem que "zipava a realidade como se esta fosse um ficheiro demasiado pesado, tornou-se um embaraço para o seu próprio partido, num tempo em que a realidade se tornou um excesso. Tanto o PS como o PSD gostariam que Sócrates saísse de cena. Divergem PS e PSD nos motivos mas concordam na excelência do método: o ideal seria que Sócrates desaparecesse através duma qualquer intervenção que não só não os comprometesse como até os favorecesse politicamente. Ora isso só pode acontecer de duas formas: demitindo-se José Sócrates, invocando de preferência razões pessoais, ou por intervenção do Presidente da República. Quer uma opção quer outra são quase tecnicamente impossíveis: Sócrates não se demite não só porque não está na sua natureza fazê-lo mas também porque não se vislumbra um convite para um cargo que justificasse tal saída e sobretudo porque o primeiro-ministro intui que após a sua saída do Governo dificilmente pode contar com a solidariedade institucional duma futura liderança do PS em relação ao muito que haverá para explicar sobre as decisões deste e do executivo anterior. Quanto a Cavaco Silva, este não só tem um entendimento muito diverso do de Jorge Sampaio sobre o que são os poderes presidenciais como não ignora que seriam enormes os custos políticos que pagaria por derrubar um governo do PS, partido que olha para a Presidência da República como um espaço naturalmente seu: os principais beneficiários com uma destituição de Sócrates, o PS e o PSD, seriam os primeiros a questionar a legitimidade do Presidente.
A 10 de Junho de 2010, os portugueses, do povo aos líderes, vivem constrangidos perante a crescente evidência de que desta vez terão de assumir o que querem, deixando de ficar à espera que alguém, a quem depois chamam libertador, lhes entregue uma nova situação pronta a festejar. Ensaísta
Talvez por vivermos à beira do oceano, paramos no momento de dar o passo decisivo, mas se alguém o der por nós e mostrar que temos pé então corremos entusiasmados e logo identificados com a nova situação. A última vez que isto sucedeu foi aquando da queda do governo de Santana Lopes, que nenhum português sabe explicar ao certo porque foi afastado por Jorge Sampaio. Neste momento quase que se implora que Cavaco Silva faça o mesmo a Sócrates, e admitindo os produtores de tal clamor que Cavaco não o faça já, para não comprometer a sua eleição, determinaram que tal terá de ocorrer em 2011, numa espécie de crónica duma morte anunciada da liderança de José Sócrates. Não só não me parece que Sócrates se deixe assim neutralizar, quiçá comovido com a gentileza do pré-aviso, como tal não é saudável para a democracia.
O Governo tem legitimidade democrática. Foi eleito e nem sequer por tão poucos votos quanto isso: mais de dois milhões de portugueses, em Setembro de 2009, escolheram Sócrates para primeiro-ministro. Entre outras razões porque preferem que à frente do Governo esteja alguém que não só não lhes diz que vai fechar escolas porque não há dinheiro para as manter abertas mas sobretudo que apresente esse encerramento, muito questionável pedagogicamente para turmas com 20 alunos, não só como uma decisão que visa" combater o insucesso escolar" mas ainda como algo que seria "criminoso" não fazer. Com José Sócrates a realidade não existe. Existe sim uma atitude valorativa sobre o que supostamente se está a fazer. Por isso não se estão a fechar escolas mas sim a combater o insucesso escolar. E as leis, entendendo por leis a catadupa de decretos mal-amanhados que ninguém sabe o que determinam nem quando entram em vigor - e o que não se sabe ou se vai sabendo entre declarações contraditórias e sucessivas tanto pode versar as retenções do IRS como o sistema de passagem do 8.º para o 10.º ano -, não são corrigidas. Estão sim a ser aperfeiçoadas, entendendo-se logo, à partida, que se trata duma progressão na escala da perfeição e não da correcção de disparates rotundos. Enfim, mais de dois milhões de portugueses gostaram deste homem para quem a mentira se chama inverdade.
Agora que um factor externo, a crise, nos impõe não uma mudança de situação política, como aconteceu no passado, mas sim que enfrentemos a realidade, Sócrates, o homem que "zipava a realidade como se esta fosse um ficheiro demasiado pesado, tornou-se um embaraço para o seu próprio partido, num tempo em que a realidade se tornou um excesso. Tanto o PS como o PSD gostariam que Sócrates saísse de cena. Divergem PS e PSD nos motivos mas concordam na excelência do método: o ideal seria que Sócrates desaparecesse através duma qualquer intervenção que não só não os comprometesse como até os favorecesse politicamente. Ora isso só pode acontecer de duas formas: demitindo-se José Sócrates, invocando de preferência razões pessoais, ou por intervenção do Presidente da República. Quer uma opção quer outra são quase tecnicamente impossíveis: Sócrates não se demite não só porque não está na sua natureza fazê-lo mas também porque não se vislumbra um convite para um cargo que justificasse tal saída e sobretudo porque o primeiro-ministro intui que após a sua saída do Governo dificilmente pode contar com a solidariedade institucional duma futura liderança do PS em relação ao muito que haverá para explicar sobre as decisões deste e do executivo anterior. Quanto a Cavaco Silva, este não só tem um entendimento muito diverso do de Jorge Sampaio sobre o que são os poderes presidenciais como não ignora que seriam enormes os custos políticos que pagaria por derrubar um governo do PS, partido que olha para a Presidência da República como um espaço naturalmente seu: os principais beneficiários com uma destituição de Sócrates, o PS e o PSD, seriam os primeiros a questionar a legitimidade do Presidente.
A 10 de Junho de 2010, os portugueses, do povo aos líderes, vivem constrangidos perante a crescente evidência de que desta vez terão de assumir o que querem, deixando de ficar à espera que alguém, a quem depois chamam libertador, lhes entregue uma nova situação pronta a festejar. Ensaísta
Comentários