O que vi em Cavaco

João Taborda da Gama
DN 20160309
Conheci Cavaco Silva na sua última campanha eleitoral em 2010, como membro da comissão política da sua candidatura, e fui consultor político da sua casa civil entre 2011 e 2013. Isto é o que dizem os jornais e os cartões-de-visita, porque nem Cavaco se deixa conhecer nem Cavaco precisa de comissões ou conselhos políticos, muito menos dos meus. Disto já eu desconfiava, mas mesmo assim quis ir ver. Ver de perto um dos maiores e mais enigmáticos políticos, tentar perceber melhor. Se houvesse uma aberta, perguntar. Não houve.
O que via em Cavaco Silva não era tanto os seus feitos como governante mas o feito de ter chegado a governante. O modo como limpou as elites do PSD, como, sem darem nada por ele, tomou um partido de barões e coutadas ainda decalcadas das estirpes da sociedade portuguesa. De certo modo, fez no PSD em 1985 o que só aconteceria no PS vinte anos mais tarde com Sócrates: ambos abominarão a comparação, mas nesta conquista feroz dos seus partidos aos predestinados, decapitando e afastando tudo o que lhes fizesse frente, há uma história com muitas semelhanças que ainda há de ser escrita.
Era irresistível não tentar ir ver. Ver mais de perto a pessoa por trás da imagem que criteriosamente construiu ao longo de décadas (nisto foi fundamental a inteligência político-emocional de Fernando Lima). Cavaco Silva o tecnocrata, o político não profissional, o homem que foi fazer a rodagem à Figueira, o homem que estudava os dossiês. O que era aparência e substância?
Cavaco não é um político profissional porque um profissional exerce a sua profissão com alguma distância, esta nunca o define, e fica ainda um espaço da sua existência liberto para outra coisa qualquer. Cavaco não é um político profissional, é um político-total. É político na Fonte Luminosa e é político enquanto espera dez anos para ser Presidente; é político quando incita ao sobressalto cívico do "março de 2011", e é político quando fala da poda das anonas. E é-o desde quase sempre. Filiou-se no PSD logo em 1974 (por exemplo, Sampaio aderiu ao PS apenas em 1978); filiou-se e filou o poder que nunca mais largou. Mas Cavaco é um político profissional no sentido em que tem uma obsessão pelo rigor, pela coerência e pela lógica. Na Presidência não vi improviso. Vi estudo, treino, preparação, repetição, lisura, cordialidade, distância. Aquela distância que há sempre que uma coisa é levada a sério. E a coisa aqui é uma preocupação obsessiva com o bem dos portugueses.
Vi síntese. Vi por vezes uma teimosia exasperante. E isto lembra-me uma outra coisa que me disse um amigo americano que era assessor de um governador e andava furioso com o chefe dele: os grandes políticos têm dois problemas, o primeiro é que acham que têm sempre razão; e o segundo é que têm.
E vi ainda outra coisa. Vi um casal-político, focado, sintonizado, cúmplice na astúcia e astuto na cumplicidade - uma grande lição de política. E de amor.

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