O jardim-escola da política

Inês Teotónio Pereira | ionline | 2015.06.27

As crianças também acham que os pais são parvos, que acreditam em tudo o que elas dizem e não sabem quem esvaziou metade do frasco de Nutella.
A melhor forma de entender a política é observar as crianças. A coincidência entre os dois mundos é, no mínimo, interessante. As crianças gritam e choram quando não conseguem uma coisa, quando se ofendem ou quando se magoam. Querem sempre assistência e exigem que lhes demos razão mesmo quando não a têm. Só quando crescem é que aprendem a pedir desculpa ou a dar o braço a torcer. Confundem humilhação com franqueza. Também não gostam muito de explicações, de raciocínios complicados ou de grandes divagações. São práticas e, acima de tudo, são sensoriais.
Uma criança só pára quando lhe explicamos que não é mesmo não, sem mais delongas. Elas fazem muito barulho, mudam de tema com uma rapidez estonteante e prometem mundos e fundos a troco de um gelado. Também gostam de chutar os problemas mais complicados para a frente e só falam de coisas que entretêm. Quanto mais se exige a uma criança, mais ela foge, e quando lhes dizemos que a vida não é um mar de rosas, não se resume à televisão, a videojogos e a idas à praia, elas disfarçam e vão jogar à bola. 
Hoje em dia, a política também é assim. Ao contrário das telenovelas, que são para adultos, os telejornais são para crianças. É por isso que um dos meus filhos diz com todo o orgulho desde os seus cinco anos que só gosta de ver notícias e futebol: “Tem mais coisas e é mais giro.” Percebo-o. Desde as negociações com a Grécia aos vários debates políticos e à venda da TAP, a política é dominada pelo entretenimento, num estilo de concurso de talentos. O que está em causa no debate político é quem falou melhor, com mais estilo e convicção, e quem disse mais vezes “acabar com a austeridade”, “colocar as pessoas em primeiro lugar”, “apostar no crescimento” ou “reverter as políticas neoliberais”. 
As frases e as mensagens são simples e curtas. Têm de ser simples e curtas para não se perder muito tempo com elas. Se soa bem, está ganho; se soa mal e requer uma explicação mais detalhada, está tudo perdido. Sim, o Estado só lucrou 10 milhões com a venda da TAP. Além de ter despachado 1,1 mil milhões de dívida, mais outros 300 e tal milhões de passivo, mais o sufoco devido à falta de financiamento que a curto prazo levaria ao encerramento da empresa, etc. Baahh, já ninguém está a ouvir. Os 10 milhões colaram. Dez milhões é menos do que o contrato de Jorge Jesus. Logo, para o governo neoliberal e demoníaco, a TAP vale menos que Jorge Jesus. Os meus filhos discutem assim. 
Na política vive-se o dia de hoje, tal como vivem as crianças. Ontem foi há mil anos e amanhã logo se vê. Foi assim com a Grécia (já ninguém quer saber das promessas do Syriza) e é assim quando se discutem pensões, educação, segurança, etc. Em todos estes assuntos não há tema, há adversários. O objectivo é não dar o braço a torcer e muito menos fazer má figura. Temas incómodos e questões de princípio são coisas de crescidos, mas na política é tudo uma questão prática. A concorrência no horário nobre é feroz e o tempo dos eleitores é curto. 
As crianças também têm a particularidade de acharem que os pais são parvos, que acreditam em tudo o que elas dizem e que não sabem quem esvaziou metade do frasco de Nutella. Gostam de pensar que temos memória de peixe. Os políticos também desconfiam que os eleitores não estão muito atentos, que não percebem a origem dos 10 milhões de euros ou que o futuro da Grécia não tem nada a ver com a popularidade dos governantes gregos ou com a falta de popularidade dos governantes alemães. Os partidos de esquerda, que se multiplicaram nestes últimos meses, e o Partido Socialista, que esvaziou o frasco de Nutella, vivem alegremente neste jardim-escola político na esperança de que ninguém se aperceba da vertiginosa vacuidade do seu pensamento.
A única maneira de resolver este assunto, e de passarmos por estes meses sem traumas de maior gravidade, é enviarmos as nossas crianças a debater com os dirigentes de esquerda: perde quem amuar primeiro e quem não conseguir inventar chavões novos que incluam os termos austeridade, crescimento e neoliberal. O meu filho de sete anos pode ir debater com António Costa – e é muito mais giro que o líder socialista.

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