Escola de ícones: uma obra de paz

P. DUARTE DA CUNHA
Voz da Verdade 14.06.2015

A Beleza salvará o mundo? Perguntava uma das personagens do romance de Dostoïevsky “o Idiota” ao príncipe Mychka, considerado o bonzinho, inocente e, por isso, idiota, mas que provoca sempre no leitor simpatia e até vontade de ser como ele. Rapidamente esta frase passou a ser utilizada como uma espécie de profecia, mas no romance do grande escritor russo ela não aparece como profecia ou como um ditado, antes surge como pergunta ou desafio. Uma pergunta que, como se pode ver no romance, mas também na nossa vida, só pode ter resposta positiva se por beleza entendermos algo que nos leva para lá do que dominamos, e conseguimos fazer, e nos faz olhar para o que nos transcende. A Beleza que salva não é aquela das coisas que dizemos que são “giras”, mas aquela que move a nossa inteligência e a nossa liberdade, chamando-nos a algo maior do que nós. É aquela que nos faz sentir pequenos e humildes.
Quando alguém está diante de algo verdadeiramente belo, seja uma paisagem, uma obra de arte ou uma obra de caridade, um sorriso amigo, uma família feliz, etc. dá-se conta de que Deus, de algum modo, está presente e chama.
O próprio das coisas belas é que são capazes de nos atrair, elas como que nos chamam. Em grego há uma inegável semelhança entre o verbo chamar (kaleô) e aquilo que é bom e belo (kalós). É talvez uma etimologia não muito precisa, mas ajuda a pensar na capacidade que o belo tem de chamar os que o encontram. Contudo, é preciso também reconhecer que as coisas criadas são belas, se ao mesmo tempo que nos chamam também apontam para algo maior. Aliás quando uma coisa bela pretende ser tudo torna-se um ídolo e não há nada que mais desoriente o homem que a idolatria! As coisas belas são verdadeiras quando nos elevam à Beleza de onde vem toda a beleza. É por isso que a arte faz parte da experiência religiosa. Sobretudo para os cristãos que acreditam e experimentam que Deus se fez carne e Se deixa entrever.
Na Idade Média, os grandes teólogos diziam que a Beleza era o esplendor da Verdade, deixando por isso antever uma relação entre o que é belo e o que é verdadeiro. E porque se via a relação entre o Belo e a Verdade, também a Bondade fazia parte desta unidade. Aquilo que faz bem é o que é verdadeiro e o verdadeiro e bom é sempre belo e atraente. A mentira, o mal e o feio não atraem e opõem-se à verdade, ao bem e ao belo.
Esta reflexão vem a propósito de um encontro com bispos de rito bizantino que decorreu em Praga há alguns dias. Nas suas histórias há muito sofrimento. Os ucranianos - mas não só eles - sofreram no tempo da União Soviética sob o comunismo, fazendo alguns deles o seminário clandestinamente ao mesmo tempo que trabalhavam; mas também agora, porque são pastores de um povo que está no meio de uma guerra que deixa muito obscuro o futuro, fazem a dura experiência do sofrimento. E, no entanto, não são pessoas sem esperança e sem alegria! Penso que se deve à importância que dão à Beleza.
Toda a sua liturgia é expressão de beleza, e as suas Igrejas estão cheias de obras de arte e de ícones que conduzem o coração para Deus. E muitas destas Igrejas há 20 anos ou não existiam ou tinham sido ocupadas por ginásios ou bares.
Mas o que me levou a pensar na eficácia da beleza foi quando um deles me contou o grande sucesso da escola de ícones que tinha começado. E a razão, como me explicou, é que no meio de tanta dor e confusão, como acontece em tempo de guerra, é fundamental manter a esperança e esta não acontece se nos esquecemos da Beleza. O maior perigo é o coração e a razão ficarem fechados neste mundo, procurando na eficácia (do dinheiro, do poder ou das armas) uma salvação, que nunca encontram. A paz e a salvação, que se expressa no amor e reconciliação, só acontecem plenamente em corações abertos ao transcendente.
Mas o testemunho dos bispos ucranianos não terminou aí. Vários falaram de como no meio da guerra têm surgido tantas expressões da caridade, que é a bondade gratuita que procura abraçar os que mais precisam simplesmente por amor. E não há dúvida que uma obra de caridade transmite a beleza do amor de Deus. A Beleza e a Bondade estão unidas, mas também a Verdade deve estar-lhe associada. É, por isso, que o apelo deles é que num país onde a corrupção e a mentira têm leva a que todos desconfiem de todos, seja possível perceber a beleza e a bondade da verdade.
Percebi que, de facto, uma escola de ícones é uma obra de paz. Percebi que a caridade é arte e que a verdade é bondade.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António