O ‘monstro’ de boa saúde

Sol, 4 de Março, 2013, José António Saraiva

Em Fevereiro de 2000, há precisamente 13 anos, Cavaco Silva escreveu no DN um artigo que ficou célebre chamado O Monstro.
Escrevia ele que a despesa do Estado corria o risco de se tornar um monstro incontrolável, caso não se atalhasse depressa.
Entretanto, Guterres (que era na altura o primeiro-ministro) demitiu-se, sucedeu-lhe Durão Barroso, depois Santana Lopes, depois Sócrates, finalmente Passos Coelho.
E o 'monstro' aí está, vivo e de boa saúde, 13 anos depois.
Forçado pela troika, este Governo anunciou um corte de 4 mil milhões de euros na despesa pública.
Os partidos (pelo menos os do chamado 'arco da governação') deviam aproveitar a oportunidade para solucionar um problema que se arrasta há décadas.
Mas, com excepção do PSD, que mostrou vontade de agarrar o 'monstro pelos cornos', ninguém se entusiasmou com a ideia.
Pelo contrário: o CDS assobiou para o lado, como se não fosse nada com ele, e o PS declarou-se indisponível para colaborar, apresentando dois tipos de argumentos:
1. Uma reforma da máquina do Estado não pode fazer-se a partir de um corte orçamental previamente definido – antes tem de resultar de uma reflexão, a partir de baixo, sobre as funções do Estado;
2. Uma reforma deste alcance não pode ser feita à lufa-lufa, com prazos fixados – devendo, ao invés, decorrer de um debate alargado na sociedade e sem constrangimentos temporais.
Quem sabe um bocadinho destes assuntos percebeu imediatamente que ambos os argumentos tinham um objectivo: bloquear qualquer reforma.
Aliás, cabe recordar que o PS, estando 12 anos no poder nos últimos 17, não fez nenhuma reforma do Estado – não tendo, pois, grande autoridade para falar sobre o assunto.
Ainda conservo na memória uma Comissão de Reforma do Estado liderada por Alberto Martins, empossada com grande pompa e circunstância, cujo trabalho nunca se soube qual foi.
Essas tentativas frustradas mostram o seguinte: se não forem fixados objectivos concretos e prazos apertados, não se consegue fazer nada.
Se começarmos a discutir reformas 'em abstracto', o resultado será nulo.
Assim, o único modo de chegar a algum sítio é definir um valor a cortar na despesa (neste caso eram 4 mil milhões), e depois identificar as áreas onde os cortes podem ser feitos com um mínimo de impacto no funcionamento dos serviços.
Aliás, é isto que se faz nas empresas.
Em segundo lugar, uma reforma desta dimensão tem de ser feita rapidamente e um pouco 'à bruta', passe a expressão.
Porquê?
Porque, quando se arrasta no tempo, começam a formar-se lóbis, centros de resistência, focos de contestação, que acabam por ir metendo grãos de areia no processo e fazer abortar as tentativas de mudança.
É por esta razão, de resto, que nenhuma das comissões de reforma do Estado apresentou resultados palpáveis.
E é também por isso que vejo com enorme preocupação a hesitação de que o Governo deu mostras ao decidir solicitar à troika, como o SOL noticiou há 15 dias, o adiamento da apresentação do plano de cortes no Estado e o alargamento do prazo para implementar esses cortes.
É um primeiro passo para não fazer nada.
Para continuar a empatar.
Mais uma vez, as forças de bloqueio estão a atingir os seus objectivos.
Resta dizer que, se não conseguirmos dominar o 'monstro', e os recursos do país continuarem a ser consumidos pela voraz máquina estatal, os impostos não poderão baixar e a retoma económica não será possível.
Para a economia voltar a crescer (realmente e não ilusoriamente), o Estado tem de consumir menos recursos.
Quem não quer a reforma do Estado – mas, simultaneamente, reclama menos impostos e exige o crescimento económico – está certamente a brincar connosco.
P.S.– Na crónica da semana passada, escrevi que «duas alunas gritaram histericamente insultos na cara» de Miguel Relvas. Ora, segundo veio a saber-se, as duas jovens da foto não são alunas do ISCTE mas militantes de partidos de esquerda.

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