A lição de Bento XVI

Voz da Verdade, 2013-03-17
Guilherme d'Oliveira Martins

Neste tempo de renovação e de reflexão, importa estarmos atentos aos fatores de continuidade e aos elementos de mudança. Nos últimos dois textos, apresentei-vos os contributos publicados na revista «Didaskalia» a propósito dos cinquenta anos do Concílio Vaticano II, hoje invoco o ato de renúncia do Papa Bento XVI e procuro a sua lição. E cito o editorial do último número da «Brotéria» (nº 2, volume 176, Fevereiro de 2012, a merecer leitura atenta), onde o Padre António Vaz Pinto nos diz: «há três notas que gostaria de sublinhar, até para que esta decisão se torne exemplar para nós: a lucidez, que mostrando não estar agarrado ao poder e ao sucesso, lhe permitiu reconhecer a fragilidade e a incapacidade para o desempenho adequado das suas funções; ligada à lucidez, a humildade, que ultimamente é o reconhecimento da verdade da nossa vida, com as suas limitações e fraquezas. E, finalmente, a coragem: não é precisa pouca para romper com 600 anos de costumes e tradições, para ultrapassar o círculo que o envolvia e ser assim fiel na sua consciência, ao seu Deus, certamente "contra ventos e marés"».
Há neste gesto, além do mais, uma profunda coerência. E o certo é que este mandato papal caracterizou-se pela abertura de novas pistas de ação, que terão no futuro inevitáveis virtualidades. O pontificado de Bento XVI fica assinalado pelo contributo inestimável para a renovação do magistério doutrinal da Igreja num sentido ecuménico e de diálogo com as diferenças, em especial através de três Encíclicas marcantes. De facto, «Deus Caritas Est» (2005), «Spe Salvi» (2007) e «Caritas in Veritate» (2009) são três documentos profundamente interpelantes que ultrapassam em muito a circunstância em que surgem. Pela sua natureza e conteúdo constituem base para uma reflexão aprofundada no mundo contemporâneo. Se as duas primeiras se dirigem primacialmente à Igreja Católica, sobre os temas do Amor e da Esperança, a terceira visa todas as pessoas de boa vontade (na linha de «Pacem in Terris», da constituição «Gaudium et Spes» e de «Populorum Progressio»), tratando do tema momentoso do desenvolvimento humano integral na caridade e na verdade. E isto mesmo é tanto mais fundamental, quando é verdade que a atual crise financeira e de valores obriga a mudar radicalmente de atitude e de métodos. Nada será como dantes. E não tenho dúvidas de que o tempo virá a reforçar a importância destes documentos – pelas potencialidades que apresentam. Lembro ainda, quanto à criação cultural e à liberdade do Espírito, a mensagem proferida a 12 de Maio de 2010 no Centro Cultural de Belém na visita apostólica a Portugal, que constitui um marco inesquecível, de dimensão que ultrapassa em muito o panorama português. Deste modo, o gesto de renúncia não tem precedente (já que os casos anteriores ocorreram em circunstâncias não comparáveis, leia-se sobre o tema no referido número da «Brotéria» o utilíssimo texto «Papas Resignatários» do Padre Roque Cabral), e como tal terá, por certo, uma influência decisiva no futuro, porque reforça um sentido de serviço e de colegialidade, que encontramos nos Atos dos Apóstolos – e que constitui uma marca indelével de inteligência e de mensagem evangélica.
E permito-me terminar citando o Concílio, neste momento crucial da vida da Igreja de Cristo, considerando que Bento XVI invocou a fé, na celebração do cinquentenário conciliar: «Movido pela fé, pela qual crê que é conduzido pelo Espírito Santo, que enche o Universo, o Povo de Deus esforça-se por descobrir nos acontecimentos, nas exigências e nos desejos do nosso tempo, que compartilha com os seus contemporâneos, quais sejam os verdadeiros sinais da presença ou dos desígnios de Deus. Com efeito, a fé ilumina todas as coisas com uma luz nova e faz-nos conhecer a vontade divina sobre a vocação integral do homem, orientando assim o espírito para soluções plenamente humanas» (G.S., 11).

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