Tempos livres

Público 2011-08-16  Pedro Lomba

Se bem se lembram, a decisão de extinguir o serviço militar obrigatório foi em muitos países europeus, incluindo Portugal, uma reivindicação da juventude que considerava a coisa uma pura perda de tempo, para além de uma agressão à sua consciência pacífica. Os políticos cederam, como cedem sempre, e tudo acabou bem.
Enquanto contemplado com essa supressão, não venho sugerir qualquer retorno ao antigo SMO. Vendo, no entanto, os motins de Londres e o aparecimento nas últimas décadas de uma subclasse de jovens adolescentes e pós-adolescentes que cresceu em espaços urbanos isolados e balcanizados, sem referências ou respeito por qualquer ideia de comunidade (em Londres, Paris ou noutras capitais); que apreendeu mal, se é que aprendeu de algum modo, os códigos de uma sociedade decente, penso se não seria útil introduzir programas compulsórios de serviço comunitário para ocupar muita boa gente perdida. O que trago hoje na ementa é isto: o serviço comunitário obrigatório. Qualquer indivíduo dos 16 aos 30 anos, do mesmo modo que usufrui de reduções no Inter-rail, deveria passar seis meses ou um ano cumprindo esse serviço comunitário, seja num hospital, num município, na polícia ou na administração. Estão de acordo?
Vivemos em sociedades de velhos, mas com uma cultura juvenil e individualista. Dizemos aos jovens que devem ambicionar o mais possível, empenhar-se em atingir os seus "sonhos"; que nada lhes é impossível. Contudo, o fosso entre as expectativas dos novos e as suas possibilidades é cada vez maior. Essa cultura do desejo marcada por infinitas ambições choca com as opções limitadíssimas que, num mundo em recessão, cada um encontra hoje no fundo da rua. Não admira que, segundo inquéritos, a depressão tenha começado a ser uma doença dos novos e a frustração uma forte incubadora de ódio.
As pilhagens de Londres não foram obra de jovens protestando contra a perda de benefícios sociais. Isso não pega quando nos apercebemos dos brinquedos caros de alguns rapazes (Blackberrys e iPhones). Também não vieram de grupos raciais marginalizados. Muitos dos desordeiros não só não pertenciam a minorias raciais, como atacaram precisamente pequenos lojistas paquistaneses e indianos. E podíamos continuar até que não restasse uma única das explicações sociais com que fomos presenteados nos últimos dias.
A verdade é que os desacatos envolveram jovens de uma subclasse socialmente desintegrada e destrutiva que parecia extasiada com o espectáculo da violência gratuita. Digo subclasse porque estes jovens parecem ter crescido à margem da sociedade. Alguns recebem prestações sociais que nunca serviram para os integrar, enquanto outros navegam na economia clandestina ou na marginalidade.
O serviço comunitário obrigatório traria várias vantagens. Primeiro, poderia diminuir os níveis de desocupação e desemprego destes jovens. Segundo, socializaria esses jovens com outros, provenientes de outros meios. Terceiro, poderia incutir valores de disciplina, entreajuda e responsabilidade. Quarta, ajudaria as famílias, muitas delas monoparentais, que não conseguiram ou não puderam educá-los.
Podemos conceber diferentes esquemas de serviço comunitário obrigatório, que evitem certas suspeições de esquerda e de direita. Podemos evitar sistemas politicamente correctos em que os nossos jovens andassem por aí de virtude na lapela, como se fossem mórmones. É caso para reflectir sobre o modelo mais praticável.
Mas, ao contrário do que apregoa a cultura dominante, não se constrói uma comunidade sem valores exteriores que não são descobertos ou interiorizados por cada indivíduo; muitas vezes precisam fatalmente de lhes ser impostos. O serviço comunitário obrigatório poderia ser uma espécie de saída. Jurista

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