Perder a vida
JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2011-08-15
Quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la; mas quem perder sua vida por minha causa, há-de encontrá-la" (Mt 16, 25; Mc 8, 35; Lc 9, 24; cf. Jo 12, 25). Esta frase marca a história.
A primeira parte repugna a todas as fibras do nosso ser; apesar disso, é manifesta a cada passo. Todos nos esforçamos por ganhar a nossa vida, no amor, profissão, arte, ciência ou prazer. E todos constatamos a cada momento a incapacidade de o fazer. Mantemos o mito de que um dia seja possível, apesar da evidência permanente da vacuidade. Isto é ainda mais patente naqueles que parecem ter salvo a sua vida. Milionários, campeões, governantes, estrelas de cinema, profissionais bem sucedidos são considerados por todos como tendo atingido a felicidade. São eles quem mais sofre a dupla maldição do sucesso.
Ter êxito na vida traz dois problemas graves. Primeiro, o sucesso é caro, raro e nunca perfeito. São muitos os que se esforçam e poucos os que conseguem o que pretendem; e mesmo esses nunca o realizam totalmente. Vemos aquilo que obtiveram, não o que perderam e o que queriam sem conseguir. Os ricos são sempre insatisfeitos.
A segunda maldição é pior. Os que chegam exactamente onde sonharam, enfrentam então a desilusão do sonho. Porque aquilo que brilha tanto à distância rapidamente fenece ao perto. Ao sucesso segue-se sempre o tédio, que alguns iludem na ânsia viciante de novas campanhas. Esses vivem numa ilusão de vitórias até à morte. Quem quiser ganhar a vida, perde-a mesmo.
Como se pode viver sabendo isto? Salvar a vida é a questão central de toda a existência, aquilo que preside a cada passo do nosso quotidiano. Todos queremos sempre ganhar a vida. Os outros animais têm o instinto da auto-preservação; o ser humano, além disso, sente uma ânsia de mais e melhor. Busca incessantemente algo que o ultrapassa. Constatar o falhanço dessa tensão vital não a nega. Além de sobreviver, nós procuramos um desígnio, um propósito, uma finalidade.
Nesta questão decisiva existem apenas duas alternativas razoáveis. Ou a realidade não tem sentido, como dizem o budismo e as filosofias pessimistas, ou então Aquele que fez as coisas também lhes deu um propósito. Criou-as com um desígnio. Se esta segunda hipótese, a única aberta e positiva, é verdadeira, então procurar a sentido da realidade e entregar-nos a ele tem de ser a única forma real de ganhar a vida.
Todas as filosofias e religiões pretendem isso. Mas na história apenas um homem disse com credibilidade ser Deus. Apenas uma pessoa assumiu ser pessoalmente a resposta à questão vital: "quem perder sua vida por minha causa, há-de encontrá-la". Os discípulos de Cristo, aqueles que Lhe entregaram a vida, saíram de um cantinho miserável do Império Romano para o revolucionar. Desde então, têm influenciado decisivamente toda a história de todas as épocas e povos. Hoje representam um terço da humanidade, o maior dos grupos que busca salvar a vida.
Mas a eficácia da resposta não se mede em termos históricos ou estatísticos. Eu tenho essa pergunta hoje, aqui e agora. A resposta só é válida se me salvar. Preciso insistentemente de saber como ganhar a minha vida. Aqui e agora.
Os santos, os que estão nos altares e os que vivem próximo, testemunham a profunda alegria de perder assim a vida. Viver cada dia de olhos no Céu, entregue ao Senhor do universo. Deixar os sonhos e projectos pessoais e procurar o Bem. Não fazer o bem, mas buscá-lO, encontrá-lO e deixar que Ele actue por nós. Viver aceitando tudo aquilo que acontece como vindo do Bem e para o Bem. Aceitar o mal que sofremos como aceitamos a vida e o mundo: como caminho para o Bem. Basear a felicidade, não nos acontecimentos, mas na confiança. Na fé.
Não é fácil viver assim. Não é fácil perder a vida para a ganhar, porque a cada momento ressurge a tentação de ganhar a vida por si mesmo. Vivendo a vida, repugna perdê-la. Esta entrega tem de ser renovada a cada instante. Aquela vida que perdemos hoje de manhã tem de ser perdida outra vez agora. Por causa d'Ele. Até a salvar de vez.
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desde já agradeço a atenção