A minha Martinha

Inês Teotónio Pereira
DN2016.06.25
O meu filho diz que eu e o pai temos 3 anos. Faz sentido: só somos pais dele há três anos. É o filho mais novo e para ele a Terra não gira à volta do Sol mas à volta dele. No outro dia apanhou uma flor - mais uma para mim, pensei. Mas não: "É para a minha Martinha", disse ele. A Martinha tem o cabelo preto ondulado. É linda e um bocadinho mais baixa do que ele. Tem bochechas de bebé e não há boneca que lhe chegue aos calcanhares. Eu encanto-me com o "minha" quando ele fala da Martinha. É verdade que para o meu filho é tudo dele. A casa é dele, a escola é dele, o carro é dele e até o Ruca é dele. Mas a Martinha é dele doutra maneira. É dele porque gosta dela e não por posse. Com a Martinha ele porta-se bem. É ela que às vezes o manda para trás como qualquer menina com qualquer rapaz. Se calhar não vão ser amigos para sempre. Ou vão. Se calhar nunca mais se vão ver quando mudarem de escola. Mas não interessa. O que interessa é a flor. Dizem os especialistas que é aos 3 anos que as crianças começam a interagir verdadeiramente com outras crianças, a conquistarem amigos e a brincarem juntos. A dar coisas até. Também não interessa: qualquer explicação sociológica sobre esta flor polui a história e murcha a flor. O que interessa é que ele é querido e ela a querida dele. Ele é um trapalhão a falar e pega na flor com a mão toda. Esborracha flores. Mas, se falasse bem, se calhar não tinha apanhado a flor e se soubesse pegar nelas se calhar tinha vergonha de a dar. O que é mesmo giro nas crianças é que elas não falam, aquilo que se faz é que lhes interessa. Elas não combinam brincadeiras: brincam; não fazem declarações de amor: dão pedras, flores ou lagartixas. Um bocado de relva também serve. Se falassem, as crianças estragavam tudo. Assim como nós estragamos quando nos empenhamos em educar ou a estreitar relações com conversas. No final do dia aquilo que interessa é dar. E qualquer coisa serve. Não sei o que é que a Martinha fez com a flor ou sequer se ela chegou inteira às suas mãos. Ele diz que sim, mas o que ele diz vale o que vale. O que vale é que ele tenha pedido colo para chegar à flor que queria dar à "minha Martinha". O resto é conversa de treta.

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