Espanha não virou à esquerda

Miguel Angel Belloso
DN20160628

Quero crer que os espanhóis que votaram no domingo passado, e que deram à direita a oportunidade de continuar a governar tiveram muito em conta o inevitável empobrecimento a que conduzem as teses populistas que foram determinantes no brexit ou as que na altura levaram Tsipras ao governo da Grécia. Não o esperava, porque a democracia é esquiva e nem sempre garante que os resultados produzam o bem-estar geral e o bem comum, como aconteceu nos casos da Grécia e do Reino Unido. Mas, desta vez, a Espanha teve sorte. Na lotaria que é sempre a democracia, os meus compatriotas demonstraram mais senso comum do que é costume. O que tínhamos de decidir no domingo passado era se queremos manter o país no rumo que o conduza a continuar a ganhar competitividade, que é a base do progresso, ou se, pelo contrário, queremos aplicar os recursos públicos na redistribuição e na despesa social indiscriminada, incentivar a falta de produtividade, a inação dos nossos jovens, uma taxa de desemprego inquietantemente elevada e o abuso de um Estado social que já deu provas evidentes de que é insustentável. Optávamos também entre dois modelos, o dos que estão dispostos a baixar os impostos a todos e o dos que querem aumentar a carga fiscal que aflige a classe média, que é a que suporta a nação, e penalizar todos aqueles que triunfam e estão a ter sucesso na vida. Entre os que querem mais empresários e menos pobres do que nunca, e que creem na capacidade de gerar riqueza que todos temos inscrita nos nossos genes, e os que pensam que a maioria é composta por uns imbecis que não têm capacidade para sobreviver sem o apoio permanente do Estado, sem o subsídio continuado como modelo de vida. E decidiram que a direita era a melhor opção para consolidar a senda de crescimento e assegurar o futuro do país.
Eu não digo, jamais tal me ocorreria, que Rajoy seja o paladino do liberalismo nem da economia de mercado, que seja a bandeira do Estado pequeno e eficaz de que eu gostaria, nem o defensor da autonomia individual e da responsabilidade pessoal com o futuro da própria vida a que obriga a condição humana, mas não tenho dúvidas de que entre todos os que se apresentavam a estas eleições é ele quem mais se aproxima destes postulados, dos quais inclusive o Ciudadanos está muito longe, mas mais ainda o Partido Socialista de Pedro Sánchez e, sobretudo, o Podemos.
Os espanhóis decidiram também virar as costas a Pedro Sánchez, que perdeu cinco assentos parlamentares em relação aos resultados das passadas eleições de 20 de dezembro. O inenarrável Sánchez e a sua mulher, que tem mais vontade ainda do que o seu marido de que este seja primeiro-ministro e se agarra a ele como uma lapa onde quer que vá, estão agora desolados. Não pôde ser desta vez e o justo é que não seja nunca. Porque o que é realmente inquietante é que o secretário-geral do PSOE tenha acolhido os péssimos resultados com um sorriso de orelha a orelha. Que não se sinta afetado pela devastação a que conduziu o Partido Socialista, com dois recordes consecutivos dos piores resultados da história, o das eleições de 20 de dezembro passado e o das de 26 de junho. Que não se tenha demitido domingo à noite. Pelo contrário, apresentou-se perante as câmaras para celebrar a proeza de ter evitado a "ultrapassagem" da aliança entre o Podemos e os comunistas, de ter mantido o partido ainda como a referência da esquerda. De ter ficado em segundo. Será esta uma atitude plausível?
Como lembrou mais de uma vez a presidente da Junta da Andaluzia e principal adversária de Sánchez, a socialista Susana Diaz - que também não deve lançar foguetes, pois foi ultrapassada pelo PP naquele terreno tradicional de votos do partido -, o PSOE foi sempre um partido ganhador, não compete com o Podemos, mas sim com o PP. O seu adversário é Rajoy, não Pablo Iglesias. Pedro Sánchez deu-se por satisfeito por ter-se visto livre da aliança de Iglesias com os comunistas e pensa e defende com os seus guarda-costas - que triste figura, todos eles! - que tudo está bem. É uma atitude, mais que cobarde, infame. Ou o PSOE muda de líder, de tom e de programa ou vai a caminho, mais cedo ou mais tarde, de se tornar um partido marginal.
Na realidade, os resultados das eleições foram perfeitos para qualquer pessoa que tenha senso comum e deseje que o país progrida. O PP ganhou claramente, o PSOE perdeu cinco assentos parlamentares e o Podemos perdeu um milhão de votos na experiência conjunta com os comunistas da Izquierda Unida. Não há viragem à esquerda. Não vai haver uma mudança... para pior. Não há possibilidade alguma de um governo de esquerda, que teria sido uma maldição para o país, e tudo aponta para que Rajoy vá poder governar, com enormes dificuldades, mas poderá governar, sobretudo se o ser menor que é Albert Rivera - o presidente do Ciudadanos - deixar de lado a sua presunção e desistir de opor vetos para os quais não está legitimado depois da admoestação que levou nas urnas. Será muito complicado que o PP consiga levar adiante leis importantes, mas será impossível aprovar alguma que estrague a atual situação, na qual é muito provável que a economia espanhola continue a crescer com intensidade, mais do que o resto da Europa, com o apoio dos mercados e dos investidores, que viram dissipar-se definitivamente os seus piores augúrios. Embora ninguém o dissesse uma semana atrás, talvez os espanhóis tenham mais senso comum do que os britânicos.

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