Primeiro-ministro fraco? Ou forte líder da oposição?

José Luís Ramos Pinheiro
RR 09 Nov, 2015

Ao dar o passo que Soares, Sampaio, Guterres e Sócrates nunca deram (o que pensarão estes antecessores?...), o secretário-geral do PS sabe que nenhum dos seus novos aliados pretende o reforço eleitoral dos socialistas, mas antes o seu enfraquecimento.
Os factos mais recentes confirmam que António Costa escolheu ser um primeiro-ministro fraco, em vez de um líder da oposição forte.
No Governo, estará sempre dependente da vontade ou dos caprichos de dois partidos com os quais, no passado, o PS nunca se entendeu.
Na oposição um combativo António Costa depende de si próprio, para fazer passar, à direita ou à esquerda, aquilo que mais lhe convier, em função de uma visão própria do país.
Especializados, desde há muito, em danças de salão (parlamentar), Catarina e o seu Bloco continuarão a querer mandar na agenda da esquerda. Havendo governo PS, alguém duvida que as forças (marxistas-leninistas e trotskistas) do Bloco terão nas decisões essenciais um peso muito superior ao seu valor eleitoral?
Aquilo que é aparentemente bom ou simpático, Catarina reivindicará como seu (já o fez durante as conversações, condicionando Costa e irritando o PC); e o que for negativo será endossado ao PS, cujo enfraquecimento eleitoral em favor do Bloco é condição necessária para cumprimento do sonho de um Syriza à portuguesa.
Mas se para o Bloco os salões parlamentares são cruciais, o PC alimenta-se da rua e não lhe passa pela cabeça abandoná-la.
O líder do PCP quer viabilizar um Governo PS sem se comprometer com muita coisa. Se ficasse demasiado preso a um Governo socialista, como poderia o PC continuar a mobilizar a rua? O PCP está habituado a comandar protestos anti-governamentais. Um PCP fardado de governo protestaria contra quem? Contra a oposição de direita?
Não. Os comunistas andam há muito por cá. Festejarão, entusiásticos, o derrube de Passos e Portas, mas, pouco a pouco, saberão construir as necessárias distâncias perante um Governo de Costa. Torcerão o nariz à mínima contrariedade e denunciarão com clareza tudo aquilo que a “veia burguesa” do PS vier a fazer ou a propor. De resto, vão encontrar todas as justificações para manterem os dois pés bem assentes na rua, prontos a marcharem contra a Europa, a Nato, a oposição e contra o próprio Costa se e quando for necessário. Se da rua desaparece, o PCP enfraquece.
Ao procurar envolver os comunistas numa solução, António Costa está a pedir ao PCP que abandone a sua natureza e se entregue ao projecto socialista, talvez mesmo morrendo por ele. Compreende-se que Jerónimo queira evitar este beijo da morte, preferindo retribuí-lo ao seu rival de sempre: viabilizar a queda da Coligação, permitir um Governo Costa, mas tê-lo bem preso na mão, obtendo algumas concessões, mas sempre insuficientes para o PCP perder a rua de que tanto se alimenta.
Daquilo que se conhece, as concessões ao PCP são relevantes. A prometida reversão da entrega dos transportes públicos a mãos privadas constitui ponto chave para os comunistas e para a sua armada sindical.
Sem uma tal reversão, os sindicatos dos transportes - e portanto a CGTP e portanto o PCP - perderiam força e palco. Essa deverá ter sido uma condição crucial para Jerónimo de Sousa vir agora dizer que um Governo PS deve assegurar “uma solução duradoura na perspectiva da legislatura”. Não é claro quanto vai custar uma tal reversão. Mas a responsabilidade pelo mal que daí resultar há-de ser creditada na conta do governo anterior.
Mas esse é apenas um dos muitos pontos por esclarecer nos acordos de Costa, Catarina e Jerónimo. Para já, os três partidos de esquerda prometem mudar muito do que foi feito, devolvendo milhões em pensões e salários. Seria tudo muito bonito, se o país tivesse descoberto uma qualquer galinha dos ovos de ouro. Assim não sendo, convinha que nos explicassem como pretendem pagar tudo isto.
Que impostos, medidas e reformas vão dar amanhã ao Estado, o dinheiro que hoje não tem?
E era igualmente importante garantirem-nos que a vertigem inicial do poder deste amanhã que já canta, não se vai traduzir em breve num segundo resgate, à semelhança do que sucedeu na Grécia.
E não vale a pena barafustar contra os mercados: eles são insensíveis sim, mas habitualmente limitam-se a registar (friamente) os disparates governamentais de quem gosta de se pôr a jeito. Há quatro anos foi o que aconteceu a Portugal e nestas ocasiões de crise poucos escapam, mas os mais pobres, esses, nunca o conseguem fazer.
Os mais ricos encontram sempre algum modo de minorar a gestão irresponsável dos governos; invariavelmente, os mais pobres são as maiores vítimas da irresponsabilidade política.
Chegados a este ponto, se o programa de Governo da Coligação (que se apresentou como tal ao eleitorado e que ganhou as eleições) for chumbado, o que pode fazer o Presidente da República?
Há quem defenda um governo de gestão, até à eleição do próximo Presidente da República que não tomará posse antes do mês de Março de 2016. O novo Presidente poderia depois empossar um governo de Costa ou optar por realizar eleições legislativas em Junho. Passariam muitos meses sem que Portugal dispusesse de um governo em plenitude de funções, com as consequências económicas, financeiras e internacionais que se adivinham.
E seria a primeira vez que Portugal viveria - durante meses a fio – com um governo de gestão, sem que o parlamento estivesse dissolvido. Dito de outro modo: o governo estaria em gestão, mas o parlamento não. Chumbado o seu programa pela maioria de esquerda, mas mantido em funções de gestão pelo Presidente, o Governo estaria de pés e mãos atadas perante as decisões que a maioria PS/Bloco/PCP decidisse tomar no parlamento. E seria também um governo incapaz – porque impedido constitucionalmente de o fazer – de reagir às contrariedades e sobressaltos suscitados pela situação económica, social ou financeira.
Por outro lado, Passos e Portas ficariam sempre associados a uma tentativa desesperada de manterem o poder, coisa que haveria de os penalizar nas urnas e na rua.
Deste modo, ainda que exigindo, como já fez, algumas garantias quanto ao respeito pelo tratado orçamental e pelos demais compromissos internacionais de Portugal, parece difícil que o Presidente deixe de empossar o governo que constitui, no cenário criado, a mais imediata tábua de salvação politica de António Costa.
Daí para frente, a responsabilidade politica de Costa é enorme. Ao dar o passo que Soares, Sampaio, Guterres e Sócrates nunca deram (o que pensarão estes antecessores?...), o secretário-geral do PS sabe que nenhum dos seus novos aliados pretende o reforço eleitoral dos socialistas, mas antes o seu enfraquecimento. Se no futuro o PS deixar de ser alternativa credível à direita, é porque deixou cair esse papel nas mãos de algum dos seus vizinhos da esquerda.
Ao abandonar o eleitorado do centro que ciclicamente vota PS, Costa está potencialmente a favorecer a direita, resignando-se a disputar votos à esquerda, onde o charme politico de Catarina e companhia parece mais eficaz e promissor.
E à direita, o que se pode esperar?
Se vierem a ser oposição, parece provável que Passos Coelho e Paulo Portas trabalhem de forma coordenada. Marco António Costa já veio dizer que o PSD não será muleta de um governo socialista. Resta saber o que tal significa.
Se por causa de decisões demagógicas que agravem o défice, o PS vier a exigir que PSD e CDS aprovem medidas duras que as substituam, parece razoável que a Coligação não lhes dê o seu aval. Mas em nome daquilo que procuraram fazer durante estes quatro anos, seria importante que PSD e CDS não se opusessem a outras medidas que os próprios adoptariam se estivessem no poder. Caso contrário, acabarão por fazer uma oposição de terra queimada, da qual jse queixaram abundantemente durante a última legislatura.
O que agora se está a decidir tem, por isso, fortes consequências no futuro do país e do regime democrático, tal como o temos visto e conhecido nos últimos quarenta anos.
As últimas semanas têm sido politica e humanamente instrutivas. E as próximas não serão menos. Seria tudo muito interessante, se não estivessem em causa valores mais altos. E o valor mais importante é o do bem comum.
A economia portuguesa está em recuperação, mas continua frágil; e a instabilidade política é uma velha inimiga das economias débeis.
O último mês foi vivido ao ritmo de um país imune às ameaças e indiferente à história (difícil) dos últimos anos. Acontece que o caminho de recuperação está longe do fim, pelo que a instabilidade política devia ser olhada pelos dirigentes como um luxo insensato.
Os três partidos que não falam a uma só voz, não realizam reuniões conjuntas e têm dificuldade em articular discurso dificilmente garantirão estabilidade para os próximos quatro anos. Cada um deles tem uma visão de sociedade profundamente diferente. Entendem-se no que não querem. Para já, não são mais do que uma coligação negativa que leva Costa ao colo, com a precariedade que um salvamento destes implica.
Mas será que as ideias e os projectos dos partidos e dos seus dirigentes não importam? Importam; e muito. Mas ainda assim importam muito menos do que o país.
E sabe-se há muito que o país é demasiado pequeno (e pobre) para tanta ambição (pessoal).

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