Os filhos dos nossos amigos

Inês Teotónio Pereira
Ionline, 20130831
Não conseguimos olhar para uma criança sem a comparar com o nosso menino. Cada criança é como se fosse um quilo
Os filhos dos nossos amigos só passam a existir verdadeiramente no nosso mundo no dia em que temos filhos. Até lá os filhos dos nossos amigos são apenas isso: filhos de alguém, ainda não os consideramos crianças autónomas. Não temos qualquer noção da idade deles (se têm meses ou anos), não temos capacidade para ter uma opinião consistente sobre a educação das crianças e a verdade é que não olhamos para eles duas vezes. Temos alguma condescendência com os gritos e as birras que fazem, mas acima de tudo temos pena dos pais, dos nossos amigos. As crianças são apenas crianças. Contam pouco. Respeitamos, mas achamos um pouco exagerado todo aquele fanatismo dos nossos amigos pelos filhos. Não é racional.
Mas quando temos filhos as coisas mudam radicalmente. Os filhos dos nossos amigos passam a ter um papel fundamental nas nossas vidas. Servem antes de mais para serem uma medida dos nossos. Tipo os quilos daquelas balanças antigas. São o nosso termo de comparação. E é com eles que passamos os dias a comparar com os nossos. Compramos a altura, o tamanho, o despacho, a simpatia, o número de birras, a educação e comparamos cada fase. Não conseguimos olhar para uma criança sem a comparar com o nosso menino. Cada criança é como se fosse um quilo. E medimos os nossos filhos com os filhos dos nossos amigos como dantes medíamos as notas no liceu com as dos nossos amigos. Normalmente são as mães que se perdem neste exercício. Os pais continuam toda uma vida sem ligar patavina aos filhos dos amigos, raramente misturam as coisas. Nós, mães, não. Nós comparamos filhos com muita facilidade. No nosso entender os filhos são tão comparáveis como um vestido, ou um penteado. Faz parte.
Passada essa fase, com derrotas e vitórias, saltamos para a seguinte, que é ainda mais dolorosa que a primeira. Nesta fase queremos que os nossos filhos sejam todos amigos. Achamos que o mais lógico é que os filhos dos nossos amigos herdem a amizade que os pais têm por nós e vice-versa. Na nossa cabecinha isto faz todo o sentido. E é razão mais do que suficiente para fazermos tudo por isso. Convidamos as crianças dos amigos para as festas de anos dos nossos, tentamos organizar programas em conjunto e suspiramos quando eles nem olham uns para os outros, quando se ignoram olimpicamente. Mas nós insistimos na amizade enquanto as crianças resistem. E resistem porque resistem sempre. Porque os interesses dos nossos filhos são quase sempre divergentes dos nossos. Quando são pequeninos, queremos que eles durmam e eles choram, queremos que eles comam e eles cospem, queremos que eles estudem e eles vêem televisão. Na verdade eles passam a vida a contrariar-nos. Por isso é normal que com as amizades façam o mesmo.
Ora se é verdade que nós conseguimos quase sempre fazer valer os nossos interesses, no que diz respeito às amizades é quase impossível. Os nossos filhos só são amigos de quem querem. E não há maneira de alterar este radicalismo. As amizades, ao contrário da sopa, da mochila, do clube de futebol ou do desporto, escolhem eles. E, vá-se lá saber porquê, raramente escolhem os filhos dos nossos amigos.

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