Família muito moderna

Inês Teotónio Pereira
ionline, 2013-08-10

Esta comédia retrata de forma inteligente, descomplexada e sem qualquer mensagem subliminar moralista ou fracturante a realidade da sociedade americana
Numa altura em que a minha vida se resume a satisfazer as necessidades básicas de um bebé, ou seja, em que as únicas emoções que preenchem o meu dia têm a ver com fraldas, biberões e fazer com a criança arrote, a televisão é o que me tem salvo de um tédio profundo. Ora, tendo em conta que as notícias me podem levar com facilidade a um estado de depressão - entre incêndios, violadores e a telenovela do secretário de Estado que se demitiu -, optei com sensatez por me refugiar nas séries. E foi assim que descobri a melhor série que está a dar na televisão: "Uma Família Muito Moderna".
Entre o casal gay que adoptou uma criança, o pai divorciado que se casou com uma colombiana 30 anos mais nova e a filha que se casou com um tonto e tem 3 filhos, esta comédia retrata de forma inteligente, descomplexada e sem qualquer mensagem subliminar moralista ou fracturante a realidade da sociedade americana, ridicularizando aquilo que é mesmo ridículo sem querer impingir modelos.
Porque é que eu só descobri esta série agora? É simples: os meus filhos estão de férias e eu tenho a televisão só para mim. Posso ver o que eu quero. Estou livre para mudar os canais sem ter de me preocupar com a possibilidade de os programas ferirem a sensibilidade dos meninos. Sem me preocupar com o facto de os programas serem "próprios para a idade", como diz a minha mãe. Há anos que o comando não era tão meu.
Ora, chegando aqui, pus-me a pensar: porque é que eu não acho sensato ver esta maravilhosa série com os meus filhos? Fácil: o casal gay e a criança. Por uma questão de preguiça.
Eu explico: responder a uma criança de cinco, sete ou nove anos sobre a dinâmica de um casal gay que tem filhos, não é tarefa fácil. Sei que há quem ache que o mundo mudou e que, sendo esta a realidade de muitas famílias, devemos encarar essa realidade com naturalidade e, por isso, nunca a esconder das crianças. Segundo este legítimo e dominante ponto de vista, devemos explicar com carinho aos nossos filhos que os gays têm tanto direito a ter filhos como os não gays, devendo explicar-lhes antes o que são gays e como nascem as crianças. E se as crianças se interessarem por esta discussão fracturante e perguntarem, "Ok, mas onde é que está a mãe?", podemos sempre entrar na polémica das barrigas de aluguer, da procriação medicamente assistida, da problemática das listas de espera para a adopção, dos critérios e das exigências. Tudo com naturalidade.
Pois. Compreendo este ponto de vista. Mas tenho preguiça. Tenho preguiça de ter uma conversa destas com o meu filho de cinco anos ou com a minha filha de sete. Explicar-lhes que os homens também se apaixonam uns pelos outros e que, apesar de não poderem ter filhos porque não são mulheres, têm filhos porque têm direito, é complicado. É assim mesmo. Acontece. Uns são a favor, outros são contra. Mas é estranho. Para a cabeça de qualquer criança, esta é uma dinâmica estranha.
Diziam-me no outro dia, a propósito dos temas fracturantes e das crianças, que elas só fazem as perguntas quando estão preparadas para ouvir as respostas.
Ver com os meus filhos mais novos esta série, não tem mal nenhum, só tem um senão: dar respostas quando eles ainda não fizeram as perguntas. Ora, uma das regras de educação conservadoras, que eu muito prezo, é a que diz "cada coisa no seu tempo". Ou seja, quando for próprio para a idade deles.

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