Em busca do trabalho perdido

Público 20120501 Pedro Lomba

O 1.º de Maio foi sempre usado para a celebração ideológica dos trabalhadores como um grupo homogéneo. A existência de diferentes relações laborais e capitalismos não impedia que o trabalhador fosse encarado como uma categoria, com uma relativa união e capacidade de acção colectiva. Visto desta forma, o trabalhador seria alguém que, por estar subordinado a outro, por ter a sua esfera de liberdade dependente de outro, tinha facilitada a aquisição da sua identidade política.

E, no entanto, no mundo ocidental o trabalho atravessa uma das crises mais violentas da sua história. A principal ameaça não está hoje em relações de força opressivas e desequilibradas. O que está agora em causa é o processo de destruição e rarefacção do trabalho, um processo que, na realidade, começou há algum tempo com a maquinização do mundo. Um desemprego crescente e resistente criou uma nova classe social politicamente sub-representada: o desempregado de longa duração.

O mundo laboral construiu várias distinções sociais, a começar pela que dividia os detentores dos meios de produção dos outros. A ascensão dos profissionais dos serviços, de todas as pragas de consultores, aliada à indústria da educação, trouxe outro importante foco de separação: entre trabalhadores especializados e não especializados - engenheiros de um lado, telefonistas do outro.

Dito isto, essa distinção só era possível porque todos tinham emprego, embora alguns empregos fossem aceites como melhores. Mesmo hoje, apesar da sua notória queda, ainda subsiste um prémio de remuneração para quem acabou uma licenciatura.

Sucede no entanto que é impossível pensar no trabalhador de hoje sem reconhecer a crise destas distinções. O trabalhador diplomado e doutorado que ninguém tragicamente compra, simboliza a grande revolução do nosso modo de ver o mundo do trabalho. Um licenciado que não conseguiu mais do que trabalhar num call-center arrasa com décadas de políticas nos países ricos que apostaram tudo na educação e nas oportunidades.

Foi, de facto, a competição global no trabalho que colocou esses trabalhadores numa posição inédita e vulnerável. Não é verdade que a globalização dinamitou apenas as profissões fabris, os ditos operários dos têxteis e sapatos. A globalização destruiu milhões de empregos de topo, entre consultores, analistas, arquitectos, isto é, profissões que podem ser desempenhadas em qualquer lugar.

Há uns anos, o economista Alan Blinder escreveu na Foreign Affairs que o mundo do trabalho deixou de assentar na antiga divisão entre educados e não educados. Agora, a divisão crítica opõe trabalhos que podem ser prestados através de ligações electrónicas e trabalhos em que isso não é possível. Por outras palavras, o mercado distingue hoje entre "serviços pessoais" e "serviços impessoais". Um médico não precisa de se preocupar com a globalização do seu trabalho, mas outras profissões como consultores, programadores, analistas sofrem as consequências de na Índia ou nas Filipinas existirem milhares disponíveis para trabalhar mais por menos. E se acrescentarmos o efeito dos computadores, ficamos com um aterrador cenário de irrelevância humana.

O feriado do trabalhador corre por isso o risco de ser um feriado histórico, idealizando um mundo laboral que deixou de existir. E é porque estas transformações do trabalho afectam tanto os de cima como os de baixo que é hoje bem mais incerto perceber como pensa politicamente a classe dos que trabalham e dos que desesperam para trabalhar.

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